As pessoas geralmente escolhem profissões e carreiras projetando-as como ponto de partida para dar em lugares esperados e planejados. Mas o curso da vida é mais parecido com esta analogia: cava-se um buraco e nem sempre se sabe onde vamos sair com nossas escolhas. A história de Valpírio Monteiro é exemplo desta teoria. Às vezes, nos dividimos em tarefas distintas e opostas sem entender que elas se sobrepõem e formam o caldo de nossa formação.
Valpírio (segundo da esquerda para a direita) em protesto em Brasília pela criação de mais vagas de arquitetura em universidades
Natural de Pelotas, Rio Grande do Sul, Valpírio se mudou para Porto Alegre para cursar o ensino médio durante o período da ditadura no Brasil. Na época, optou por estudar focado em humanas, era baixista da banda Wood’s Face e chegado em protestos e manifestações estudantis. “Havia movimentos de libertação sexual e ruptura em relação ao conservadorismo dos pais. A guerra do Vietnã gerou a contracultura e, nos anos 1960, surgiu todo aquele psicodelismo que influenciou a juventude brasileira e isto me incluía.”, afirmou o comunicador.
Wood’s Face tocava covers de Rolling Stones e Beatles
Foi em um desses protestos que viu alunos marchando com uma régua T embaixo do braço e decidiu que queria estudar arquitetura. O fim do segundo grau se aproximava e tinha que definir a profissão. De primeira, Valpírio não entrou em arquitetura. Teve que se contentar com a segunda opção que escolhera, Ciências Sociais, que cursava durante a tarde e a noite.
Formandos do ensino médio: a leva de terno optou pela advocacia; Valpírio (o terceiro da fila de baixo da esquerda para a direita) queria arquitetura
Em 1970, pela manhã, fazia um curso preparatório de vestibular chamando Sinovo para seguir tentando ser arquiteto. Foi um dos primeiros institutos a se debruçarem sobre design, mas mesmo assim ele não foi admitido na faculdade e terminou por se especializar em antropologia. Quando estava prestes a se formar, passou em concurso público e virou técnico indigenista da Funai. Para exercer, teve que mudar para Brasília, fundada apenas há 12 anos, e estudar por seis meses até ser enviado à Amazônia. Lá foi trabalhar com os índios tucanos do tronco tupi há três dias de barco de Manaus.
Vista do rio Amazonas com afluente que dava para a aldeia dos tucanos
“Minha função era mapear ritos, manifestações religiosas e, na medida do possível, ensinar técnicas de cultura agrícola porque eram nômades e extrativistas. Assim sobreviveriam melhor e poderiam preservar tradições. O objetivo também era tentar criar a escrita para o idioma que falavam.” Depois de seis meses comendo fava com farinha e carne de caça, Valpírio se cansou e pediu transferência. Aos 20 anos, se deu conta da dimensão do Brasil e de sua complexidade. Apesar da unidade linguística que une a nação, sentia-se estrangeiro no próprio país, tamanha a quantia de diferenças entre os lugares.
Assim era a moradia do antropólogo
O moveram para o Maranhão para ficar com os índios gavião. Morava na região do Bico do Papagaio, na divisa com Tocantins, área de intensa disputa violenta entre grileiros e posseiros. Conheceu um casal de norte-americanos etnólogos que vivia há dois anos na aldeia para ajudar os índios a registrar os próprios fonemas. Tudo com o intuito de criar uma cartilha sobre a língua que usavam.
Habitação do Maranhão e filha do casal norte-americano acompanhada de amiga indígena
Sabe o que aconteceu então? Valpírio desencanou daquela vida. A coordenação do trabalho simplesmente não entendia como alguém queria se demitir de um emprego público naquela época. Demoraram três meses para deixá-lo partir. Voltou para o Sul e, só então, entrou em uma faculdade de arquitetura privada. À princípio arrumou emprego em gráfica.
“Passei um ano fazendo serviços que iam desde o briefing até a impressão porque as agências de publicidade de então queriam fazer campanhas e deixavam a produção de logos e revistas para gráficas. Foi uma escola.” Após a experiência na gráfica, foi trabalhar no escritório de arquitetura e design de um amigo. Foi quando mergulhou nos fundamentos de design, identidade visual e passou a desenvolver processos de metodologia para abrir a própria empresa. Mas os anos 1980, no qual vieram os três filhos, foram difíceis e o Plano Collor levou o capital de giro do empreendimento que fechou as portas em 1991.
Valpírio em locação indígena
No mesmo ano, um dos sócios do Gad, companhia que então só existia no Sul, o convidou para integrar o corpo de direção da empresa. Começaram em quatro pessoas tocando projetos de design, de arquitetura comercial e projetos que agências e escritórios de arquitetura dispensavam por considerar de menor valor. Bem, em 1999 eram o maior escritório em faturamento e estrutura no Sul. Portanto decidiram mudar para São Paulo no ano seguinte para conquistar mais mercado. Em 2005, mudaram o jogo da empresa. Passaram a prestar consultorias para marcas.
Construção de cadeira de quatro metros no vão Masp para anunciar móveis produzidos na Suíça; projeto com participação de Valpírio
Hoje, o GAD desenvolve a construção e gestão de marcas, desde a estratégia até a implementação da mesma com criação de identidade visual, linguagem e comunicação. Atualmente, a companhia é uma das cinco maiores do mercado de brand builders e completa 30 anos no ano que vem.
Hoje Valpírio é especialista em comportamento e representante da GAD. O conhecimento que acumulou em tribos indígenas, nas andanças pelo país e nos estudos convergiram no mesmo ponto e são empregados simultaneamente na função que desempenha. “Citando o promotor de gestão cultural e designer Aluísio Magalhães, somos fruto de um aluvião. É como se fossemos as margens de um rio recebendo camadas de água sobrepostas que representam nossas experiências ao longo da vida.”
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