José ‘Pepe’ Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro e atual presidente do Uruguai causou polêmica com mais uma de suas peculiares frases. Desta vez o foco eram assuntos etários da presidente Cristina e a órbita ocular esquerda do fenecido N.Kirchner.
“Esta velha é pior que o caolho”. A insólita frase foi disparada na quinta-feira pelo presidente do Uruguai, José Mujica, em alusão à presidente argentina Cristina Kirchner e seu marido, morto em 2010, o ex-presidente Néstor Kirchner, que tinha o estrabismo (e não era propriamente “caolho”) como uma de suas mais famosas marcas físicas. Mujica, conhecido por seus comentários sinceros – geralmente fora de protocolo – fez estas declarações durante uma reunião com o prefeito da cidade uruguaia de Florida e outros políticos. Mas, não percebeu que os microfones estavam ligados e que a imprensa reunida no lugar ouviu suas observações sobre a dificuldade nas relações do Uruguai com a Argentina.
“O caolho era mais político…esta velha é mais teimosa”, acrescentou Mujica em relação ao casal Kirchner. O presidente uruguaio também indicou que sempre que precisa resolver algo com a Argentina precisa pedir ajuda ao Brasil.
“Não vou dar bola nem percorrer o mundo esclarescendo coisa alguma”, disse Mujica aos jornalistas minutos depois, quando soube que sua frase havia sido ouvida.
No entanto, nas primeiras horas, em vez de sofrer críticas, Mujica tornou-se um virtual herói nas redes sociais, onde sua frase era celebrada no Facebook. No Twitter, virou hashtag, o “#EstaViejaEsPeorQueElTuerto” (#EstaVelhaEPiorQueOCaolho) por parte de tuiteiros uruguaios e argentinos.
Ao longo dos últimos anos o Uruguai sofreu uma saraivada de medidas protecionistas comerciais por parte do governo da presidente Cristina Kirchner. O antecessor de Mujica, Tabaré Vázquez (2005-2010), enfrentou um virtual bloqueio na fronteira argentina por parte de manifestantes estimulados pelo governo Kirchner que protestavam contra uma hipotética poluição de uma fábrica de celulose instalado no rio Uruguai, que divide os dois países.
Em 2002, com a pequena economia uruguaia afetada pelo colapso financeiro argentino, o presidente Jorge Batlle causou grande polêmica ao declarar que “os argentinos, do primeiro ao último, são ladrões”. Batlle teve que viajar à Buenos Aires, convocado pelo então presidente Eduardo Duhalde (2002-2003), para pedir desculpas. No entanto, Batlle conseguiu esquivar o pedido de desculpas, chorando em público enquanto rememorava os tempos nos quais havia residido na capital argentina.
CHIMARRÃO - Há poucas semanas a primeira-dama do Uruguai, a senadora Lucia Toplansky – famosa por não ter papas na língua, tal como seu marido – declarou que a relação com a Argentina “era muito complicada” e criticou as barreiras que o governo Kirchner coloca à integração regional.
Lucia e Mujica foram guerrilheiros tupamaros nos anos 70. O atual presidente foi brutalmente torturado durante treze anos pelo regime militar.
Mujica também ironizou a recente viagem de Cristina Kirchner à Roma, onde reuniu-se com o cardeal Jorge Bergoglio, entronizado como papa Francisco, a quem entregou de presente uma cuia de chimarrão com uma bomba. Na ocasião, Cristina explicou detalhes sobre como beber chimarrão a Bergoglio, que sempre tomou esta infusão clássica dos Pampas. “Para um papa argentino, com 77 anos de idade, ela (Cristina Kirchner), vai explicar o que é uma cuia e uma garrafa térmica?”, disse Mujica, estupefato.
No mesmo dia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao visitar o Uruguai, sem saber sobre as declarações do presidente uruguaio, defendeu a integração do Mercosul e declarou que “nunca viu ninguém como Mujica”.
No fim da turbulenta jornada, em Buenos Aires, o chanceler Héctor Timermam convocou o embaixador uruguaio para passar uma carraspana e ressaltar seu desgosto sobre os comentários etários sobre Cristina e a órbita ocular do fenecido Kirchner.
Em um comunicado, o Palácio San Martín sustentou que os comentários eram “inaceitáveis e denigrentes”. Além disso, destacou que a presidente Cristina não realizaria comentários sobre o assunto.
A gafe que virou “cumbia”: a frase de Mujica sobre Cristina e Nestor Kirchner inspirou um compositor uruguaio:
PERFIS - Os analistas destacam que os dois presidentes platinos, embora conjunturais aliados no Mercosul, possuem perfis de vida extremamente diferentes.
Mujica esteve preso durante 13 anos, entre 1972 e 1985 em diversos cárceres da ditadura uruguaia, onde foi brutalmente torturado. No mesmo período a presidente Cristina Kirchner enriqueceu como advogada na Patagônia executando hipotecas de pessoas falidas pela política econômica do regime militar argentino. Enquanto que Cristina tem apreço pelas griffes de luxo (e é a segunda presidente mais rica da América do Sul, segundo dados da declaração oficial de bens), Mujica mora em um casebre em sua espartana chácara. Há poucos anos trocou sua lambreta por um Volkswagen modelo 1982.
FRASES DE MUJICA (desde sua posse presidencial)
“Ser livre é gastar a maior quantidade de tempo de nossa vida naquilo que a gente gosta de fazer”.
“Se eu tivesse muitas coisas, teria que me ocupar com elas. A verdadeira liberdade está em consumir pouco”.
“O poder não muda as pessoas…só revela quem elas são verdadeiramente”.
“Não se intimidem, companheiros..gostem muito uns dos outros. Mas, nem tanto a ponto de perdoar as cagadas…”
“Talvez esteja errado, pois eu erro muito…mas eu o digo do jeito que o pensei”.
“Pelo caminho mais longo a viagem é mais curta”.
“Não encha a paciência, meu! Qualquer problema passa lá em casa e a gente bebe uns vinhos”.
PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).
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