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27 Sep 12:48

Pepe Mujica deu um soco no estômago do mundo inteiro

by Jura Passos

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Dilma Roussef puxou o orelhão de Obama.

Pepe Mujica deu um soco no estômago do mundo inteiro.

Ela levantou a bola, ele cortou.

Se o discurso de Dilma foi considerado áspero, contundente ou agressivo por jornais de vários países, o do presidente do Uruguai foi demolidor de toda a ordem internacional vigente.

Foi pedra pra todo lado, sobrou pra todo mundo. Não chegou a propor o socialismo global, mas deixou implícito.

Para mau entendedor, nenhuma palavra basta.

Só poupou os pobres. Poupou não, defendeu. Como raramente se vê na ONU, além das declarações para as câmeras e dos releases para os jornais. Não por acaso, o próprio release da ONU descreve o discurso com um desdém digno de um mero papo cabeça de maconheiro. Ban Ki-Moon reconheceu e agradeceu a intensa presença dos soldados uruguaios nas forças internacionais de paz. E chega.

Por diversas vezes Mujica aludiu ao pequeno tamanho do Uruguai. Isso pode se tornar um problema para os uruguaios, na medida em que país vai se tornando, cada vez mais, a pátria dos 99%.

Não vai caber todo mundo que começa a sonhar em viver num país onde o presidente não veste gravata e sonha com o mesmo mundo que todos sonhamos.

Todos menos os restantes 1%, que tudo vêem, ouvem e controlam, sem sequer admitir pitos.

Se fosse brasileiro, Pepe seria Zé. Pois, no fundo, ele é importante por ser exatamente isso: o Zézinho, nosso vizinho, um cara que a gente conhece e gosta, que vive como nós e entende o que a gente sente.

“Sou do sul, venho do sul. Moro ali na esquina do Atlântico com o Prata”.

Foi assim que o Zé puxou o papo na ONU. Poderia ser da avenida Atlântica com a rua da Prata, mas da zona norte.

Prosseguiu lembrando o dia que o time dele venceu o nosso numa final de Copa no Maracanã.

“Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor”.

E que, como nós, também amava os Beatles e os Rolling Stones.

“Minha história pessoal, a de um rapaz — por que, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes.”

É ou não é nosso vizinho da esquina?

E, daí pra frente, o Zé não deixou pedra sobre pedra.

“Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba.”

Cortou a bola levantada pela vizinha Dilma, da rua de cima…

“Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.”

Prometeu uma força pra galera da rua Colômbia, não aquela dos Jardins.

“Carrego o dever de lutar por pátria para todos…
Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz…”

“O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.”

E botou toda a vizinhança na roda.

“Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.”

Mandou um recado para os donos do bairro.

“Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.”

E para os donos do circo.

“Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fóruns e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…”

Para o general da banda também.

“Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.”

E bota o dedo na ferida.

“As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, da democracia no sentido planetário, porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.”

Não poupou a globalização, nem a China.

“Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.

Há pouco tempo, na Califórnia, o corpo de bombeiros festejou uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos! Cem anos acesa, amigos!! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem?”

A solução? Incorporar a ciência à política.

“Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.

O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.”

E nós com isso?

“Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização que, de fato, nós criamos.

Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos nas causas profundas, na civilização do desperdício, na civilização do usar e jogar fora, que despreza tempo mal gasto de vida humana, esbanjando coisas inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie somos nós.”

O discurso integral de Mujica pode ser visto e lido aqui.

26 Sep 14:53

Isoladas: oito mulheres criminalizadas por aborto

by Bia Cardoso

Texto de Bia Cardoso.

Sábado, 28 de setembro, é Dia Latino-Americano de Luta Pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Uma data para marcar ações e manifestações de apoio as mulheres que todos os dias recorrem a métodos ilegais de abortamento em momentos de desespero. Fora as que morrem todos os anos, vítimas de um sistema que condena e demoniza as mulheres por fazerem sexo.

O que vemos atualmente são ofensivas mentirosas e caluniosas, por parte dos setores conservadores, que tentam reduzir a questão do aborto a uma ameaça contra a vida de criancinhas, inclusive criando espantalhos, como na acusação de que o PLC 03/2013, que dispõe sobre o atendimento às vítimas de violência sexual no âmbito da saúde, seria uma tentativa de legalizar o aborto no Brasil. Fora outros tantos projetos de lei que ameaçam direitos já conquistados, como o Estatuto do Nascituro e a ofensiva contra uma reforma progressista do Código Penal brasileiro, que atualmente encontra-se em discussão no Congresso.

O conservadorismo e o obscurantismo do Legislativo brasileiro tem usado o tema para fazer ameaças e chantagens ao Executivo (que tem cedido e se acovardado), caso haja qualquer iniciativa de proposta. No Judiciário, ano passado foi aprovado o direito a interrupção da gravidez em casos de anencefalia, mas não andamos mais que isso. Falar em aborto no Brasil é tabu, assunto controverso, pouquíssimos políticos querem se ver associados ao tema. Há alguns anos vemos essa ofensiva contrária aos direitos reprodutivos crescer.

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A vida de quem o Estado e a sociedade está escolhendo quando 95% dos abortos feitos na América Latina são inseguros? Imagem: Pública – Agência de Notícias.

No Brasil, em 2007, uma clínica que realizava abortos clandestinos em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, foi invadida numa operação policial, televisionada em tempo real e transmitida em rede nacional pela TV Morena, afiliada da TV Globo no estado. Os 9.862 prontuários médicos apreendidos na operação, anexados ao processo criminal, ficaram acessíveis à curiosidade popular por quase três meses, violando os princípios constitucionais da privacidade e intimidade das mulheres. Milhares de mulheres tiveram suas vidas devassadas e expostas publicamente. Atualmente, corre um processo criminal contra as mulheres que supostamente lá abortaram e também contra funcionários da clínica. O primeiro júri aconteceu em 2010.

Em reportagem da Pública – Agência de Notícias, Beatriz Galli, advogada, integrante das comissões de Bioética e Biodireito da OAB do Rio de Janeiro e assessora de políticas para a América Latina do Ipas, fala sobre o simbolismo dessa ação num momento em que a descriminalização do aborto começava a ser discutida:

“O habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública que falava sobre todas as violações de direitos das mulheres durante a invasão da clínica, a falta de proteção da privacidade das mulheres, o manuseio dos prontuários por pessoas não qualificado e a exposição dos nomes delas no site do TJ foi indeferido sem decisão de mérito”.

“Foi uma atuação simbólica, houve uma articulação política para começar uma criminalização massiva de mulheres em um momento que a gente começava a discutir a descriminalização do aborto no Brasil”, acredita Beatriz. “A maioria das mulheres fez a confissão para suspensão do processo (o que é previsto para o crime de aborto em troca de algumas condicionantes, como prestar serviço comunitário, em alguns casos, pagar multa, prestar contas ao juiz periodicamente) mas essa confissão revela uma série de desrespeitos processuais. Muita gente nem tinha advogado, não havia provas materiais contra elas. Só existiam os prontuários médicos com informações totalmente vagas. Não haveria base para elas serem realmente julgadas e condenadas” explica a advogada. Referência: Violações marcaram processos contra milhares em MS.

O livro ‘Isoladas – A História de Oito Mulheres Criminalizadas por Aborto’ (.pdf) conta parte dessa história, tendo como objetivo documentar, por meio de depoimentos, a história de seis das quase dez mil mulheres envolvidas no caso, além de duas profissionais que trabalhavam no local.

Uma das questões presentes nesta documentação é a discussão sobre o estigma social pelo qual as mulheres ficam marcadas. O que isso representa para as suas vidas, como elas lidam com ele, de que forma isso mudou a convivência com a família, os amigos, os companheiros e no ambiente profissional são algumas das questões que poderão ser vistas a partir dos depoimentos, nos dando a ótica de quem passa pelo abortamento inseguro e como isso atinge o seu dia-a-dia.

A questão do aborto é sempre estigmatizada, assim como o são as mulheres que abortam ilegalmente. Sim, existem métodos anticoncepcionais, há inúmeras formas de evitar uma gravidez, mas não existem seres humanos perfeitos. Como diz aquela máxima: até médicas ginecologistas engravidam sem querer. Infelizmente, a maioria das pessoas não consegue aceitar esses erros, em grande parte porque significa, na maioria das vezes, que uma mulher fez sexo por prazer. Então, o que as pessoas nos dizem é que não podemos culpar uma “criança” pelo erro de uma mulher. Mas podemos culpar essa mulher e impetrar sobre ela a pena de ser mãe compulsoriamente. Não há escolhas. Pela nossa legislação atual, se alguém decide arriscar a própria vida numa clínica de aborto clandestina, a pena deve ser cadeia. Por ter atentado contra a vida de quem nem existe.

Algumas vezes, as pessoas que abortam clandestinamente tinham o direito de realizar o procedimento legalmente, mas por pouca ou nenhuma informação, dificuldade de acesso, receio de como seria tratada ou a falta de serviços de referência, acabam recorrendo a procedimentos inseguros. O fato do aborto estar associado a criminalidade leva muitas pessoas a clandestinidade nesses casos.

É possível identificar esses fatores nos depoimentos das mulheres criminalizadas em Campo Grande:

“Eu tenho uma filha de 14 anos e, na época em que eu engravidei da minha filha, eu estava tomando remédio, anticoncepcional, e mesmo assim eu engravidei. Estava namorando uma pessoa, não era bem um namoro, era um conhecimento ainda, e fui a essa clínica para colocar um DIU. Lá, eles pediram para que eu fizesse alguns exames. Fui chamada até a sala da psicóloga e ela me disse que eu estava grávida de três semanas. Na hora eu fiquei desesperada. Minha filha tinha três anos na época. Eu sou mãe solteira, crio ela sozinha, então, para mim, foi um desespero, mais uma criança. Como que eu ia fazer?” (pg. 15)

“Estou começando a cumprir este mês essa pena. É recente. Eu acho muito injusto isso do julgamento porque eles cobram da gente uma postura com a sociedade. Na época que teve essa intimação, eu estava desempregada, como eu já disse, eu tenho uma filha e tenho a minha mãe, então, chegaram épocas na minha casa que a gente não tinha muita coisa, e a sociedade não se preocupa muito com isso. Daí, chega uma opção que eu tenho que fazer na minha vida, com o meu corpo, e aí eu tenho que prestar satisfação à sociedade. E é uma sociedade que me condena e que me dá o que em troca? Eu acho que existe um livre-arbítrio, e que cada um vai pagar, de acordo com os seus atos, então, o Estado, em vez de punir, de incriminar, deveria dar apoio, de ajudar. A política de planejamento familiar não funciona no Brasil. Então, eles não podem cobrar por uma coisa que não funciona. Eles não podem cobrar por uma coisa que eles não oferecem.” (pg. 19)

“O que me levou a fazer foi o seguinte: eu era muito jovem e já era mãe de uma criança recém-nascida. Por descuido meu… fiquei grávida novamente… e resolvi, optei por interromper a gravidez, tendo em vista que eu estava com meu companheiro na época por pressão da família, então, eu não queria persistir numa relação que não ia dar certo, na qual iria ficar amarrada por meio de filho, não achava justo ter mais um filho que os pais estariam separados e que uma filha só que eu já tinha poderia ter boas condições de criar sozinha. Durante essa gestação que foi interrompida, o médico viu, através de ultra-sonografia, que o feto era anencéfalo e tinha problemas de má-formação. Foi categórico quanto à sua perspectiva de vida, que provavelmente iria nascer e sobreviver por pouco tempo, ficar na UTI neonatal, ou ofereceria risco também para mim durante a gestação. Com toda a minha situação de vida e a pouca condição de vida do feto, optei por não ter. Como aqui era de fácil acesso encontrar essa clínica, tinha que passar por uma psicóloga na clínica dela e acertava, então não tinha porque recorrer ao meio judicial, ainda mais porque ia ser demorado.” (pg. 33)

Fala-se muito em vida quando se discute aborto. E, para muitos, colocar a vida de um feto como mais importante que de uma mulher pecadora faz mais sentido. A maioria questiona: por que não evitou a gravidez? Como se todos os métodos anticoncepcionais fossem infalíveis, como se os corpos não reagissem de diferentes maneiras a anticoncepcionais hormonais, como se fosse simples fazer uma esterilização. Como se fôssemos todos seguros de si para entrar numa farmácia ou posto de saúde e adquirir camisinhas ou pílulas dos dia seguinte. Os depoimentos dessas mulheres servem também para pensarmos na vida de quem estamos falando.

A Frente Nacional Contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto foi articulada por mais de 100 entidades, espalhadas por todo território nacional, após esse episódio do Mato Grosso do Sul. Promove diversas ações em prol da descriminalização e legalização do aborto e, lançou em 2010, a Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil (.pdf). Parece óbvio, mas é importante lembrar que qualquer proposta de legalização do aborto passa também por políticas públicas de planejamento familiar, prevenção da gravidez e direitos reprodutivos. Lembrando que não devem ser restritas apenas as mulheres, mas também devem contemplar todas as pessoas que podem engravidar, como homens trans*, por exemplo.

Então, quando falamos de legalização, não estamos falando de colocar uma “sala de aborto” em cada hospital, para onde as pessoas que recebem um resultado positivo de gravidez seriam prontamente encaminhadas. A proposta é que o Estado brasileiro garanta condições para o pleno exercício dos direitos reprodutivos, oferecendo TODAS as condições para que as pessoas decidam ter ou não ter filhos.

Lendo os depoimentos das mulheres criminalizadas em Campo Grande percebe-se o imenso estigma que o tema ainda carrega e a hipocrisia presente. Nos relatos há indícios de que a ação policial preservou a identidade de filhas e parentes de políticos da região. Todas são clandestinas, mas só algumas vão presas, só algumas são identificadas. Mas, muitas morrem todos os anos, especialmente as pobres, muitas vezes negras. A vida de quem o Estado e a sociedade estão escolhendo?

23 Sep 23:47

Famílias amputadas

by Cynara Menezes

Publiquei o post abaixo em janeiro e estou republicando porque esta bela exposição está agora em Brasília no Museu Nacional, até 30 de setembro.

***
O fotógrafo argentino Gustavo Germano tem se dedicado nos últimos anos a uma tarefa bela e melancólica: recriar, a partir de álbuns de família, velhas fotos de desaparecidos na ditadura militar ao lado dos pais e irmãos –antes e depois de sua ausência. São fotografias que impactam por condensar em imagens a dor dos familiares por seus entes queridos terem sido arrancados subitamente do convívio. Amputados. Está no olhar dos que ficaram a tristeza e a saudade. É uma ferida que não há como cicatrizar. Não dá para não perceber o rastro de sofrimento que deixou em cada um deles o “desaparecimento” destes jovens, na flor da idade. Parece que o sorriso das pessoas desapareceu junto…

Germano começou a recriar as cenas a partir de sua própria história: seu irmão, Eduardo, foi morto pela ditadura argentina aos 18 anos. Agora o fotógrafo expõe em Brasília as imagens que recriou com as famílias de desaparecidos brasileiros, colhidas em viagens por todo o País. São 12 pares de fotos, retratos em preto e branco e em cor de um período obscuro de nossa história. Imperdível.

Vão lá:

Exposição Ausências Brasil
Museu Nacional de Brasília Honestino Guimarães
Até o dia 30 de setembro, de terça a domingo das 9 às 18h30

(o fotógrafo Gustavo Germano e seus irmãos Guillermo, Diego e a ausência de Eduardo)

(a família de Fernando Santa Cruz e sua ausência)

(a ausência de Luiz Eurico Tejera Lisboa)

(a família de Bergson Gurjão Farias, ausente)

09 Sep 08:50

O apito do guarda-noturno

by Camila
Fuííííííííí-u.

Assim soava o apito do guarda-noturno, quando eu dormia na casa da minha avó.

Ela dizia que o guarda-noturno ficava acordado a noite toda enquanto a gente dormia, e que ele protegia a gente de todo o perigo.

(Na praia, por exemplo, não tinha guarda-noturno, então um ladrão invadiu a casa e roubou todas as toalhas que estavam estendidas no varal.)

O guarda-noturno fazia fuííííííííí-u e essa era a senha de que eu precisava para adormecer. No fu eu bocejava, no í me espreguiçava e no u já estava dormindo.

Então a gente cresce e aprende que o apito do guarda-noturno não era uma varinha mágica espanta-ladrão. Cresce e aprende que o guarda-noturno era apenas um policial mal-pago fazendo um bico para pôr iogurte na merenda do filho. Cresce e aprende que foi uma sorte o ladrão das toalhas de praia não ter sido pego, pois se tivesse sido pego teria sido preso, e não há toalha bordada que justifique a passagem de uma pessoa pelo sistema prisional brasileiro. Sobretudo, a gente cresce e aprende que, no Brasil, a polícia não é menos bandida que o ladrão.

Mesmo crescendo e aprendendo algumas coisas, porém, continuei ouvindo o fuííííííííí-u como canção de ninar. Até hoje, o apito do guarda-noturno é o meu apito da fábrica de tecidos, e ao ouvi-lo me lembro da minha avó. O apito era a certeza de que eu podia dormir, pois havia um adulto tomando conta de tudo. E, se havia um adulto tomando conta de tudo, eu não precisava me preocupar com nada.

Com todo mundo é assim. Todo mundo um dia cresce e aprende que a polícia é essencialmente violenta e corrupta e racista e seu objetivo não é a defesa do povo e sim a defesa do status quo. Decerto poucos aprendem estas coisas nestes termos que acabo de usar. Não importa: podemos não aprender a articular o discurso, mas aprendemos de forma visceral. Cedo ou tarde, aprendemos a sentir medo da polícia.

Mas, na primeira vidraça quebrada, preferimos esquecer o que aprendemos e desejamos ouvir o reconfortante apito do guarda-noturno.

Em junho, foi muito compartilhada pelas redes uma sofisticadíssima Técnica Argentina de Ajudar a Polícia a Preservar a Paz nas Manifestações. A ideia era que os “manifestantes pacíficos” se sentassem no meio da rua sempre que a “minoria vândala” começasse o quebra-quebra, para ajudar a polícia a localizar e prender apenas os “baderneiros”. (A narrativa dominante da “minoria vândala” estava apenas começando a se constituir, naquele momento.)

O curioso é que a Técnica Argentina foi compartilhada pelas mesmas pessoas que, dois ou três dias antes, haviam compartilhado vídeos de policiais atirando em pessoas que gritavam “sem violência”, prendendo pessoas que portavam vinagre, atirando no olho de uma jornalista, etc.

Ou seja: num determinado dia – o dia em que a violência da polícia chegou ao coração da cidade e atingiu seus habitantes mais favorecidos -, estávamos todos cientes de que a polícia existe não para defender o povo, mas para defender o poder.

No dia seguinte, passamos/voltamos a acreditar piamente que a polícia era o mítico guarda-noturno da minha infância, sempre a postos para defender as pessoas de bem contra os ladrões de toalha, quebradores de vidraça e demais criminosos.

É quase irresistível essa ideia de polícia – ou governo – ou deus – ou pai – ou avó – sumamente responsável e bondosa que toma conta de tudo e só quer o nosso bem, e na sua presença podemos respirar aliviados e dormir tranquilamente (ou sentar no meio da rua calmamente) enquanto a polícia – o governo – deus – o pai – a avó nos defende contra todo o Mal.

Mas o Mal não é a toalha roubada ou a vidraça quebrada. O Mal é a crença cega na bondade e sabedoria absoluta de pessoas ou instituições que, na melhor das hipóteses, são tão falíveis quanto nós.

E sabemos que a polícia brasileira não se aproxima, em hipótese alguma, da melhor das hipóteses.

A polícia não existe para nos defender de uma minoria vândala / criminosa / assassina / dê-se-lhe o nome que se queira dar.

A polícia É a minoria vândala.
09 Sep 08:43

Photo



08 Sep 18:49

"Quem ama transborda" Centro Histórico-Reviver, São Luis-MA



"Quem ama transborda" Centro Histórico-Reviver, São Luis-MA

04 Sep 14:56

Miguel do Rosário: José Dirceu e o declínio da Globo

by Luiz Carlos Azenha

Dirceu e o declínio da Globo

Enviado por Miguel do Rosário, no Cafezinho, on 02/09/2013 – 12:18 pm

Observe a foto ao final do post. O jovem Dirceu sustenta um braço esticado, mãos abertas, como se mandasse uma mensagem de “pare aí” para um interlocutor que não vemos. Por uma dessas coincidências enigmáticas da vida, me parece uma correspondência perfeita com o que ele vive hoje. O interlocutor invisível são as forças que hoje lhe perseguem, também algo invisíveis, escondidas sob o manto obscuro de um moralismo de ocasião, com rosto mascarado por editoriais anônimos. A expressão facial de Dirceu também é curiosa. Nos olhos se vê um pouco de apreensão, perplexidade, até mesmo medo, mas a boca sugere um levíssimo sorriso desafiador, como se tivesse consciência de seu papel, ou como se o temor visto em seus olhos fosse um disfarce.

Quando um oficial se via isolado e cercado pelos inimigos, nas guerras tradicionais, ele fazia de tudo para que estes perdessem o máximo de tempo com si mesmo, visando consumir as forças adversárias. Com isso, explicaríamos também o gesto do braço. Ele seria não apenas um gesto de “afaste-se”, mas também um chamado. Bastaria virar as palmas para cima e mexer os dedos. Dirceu chama para si mesmo as forças reacionárias, num esforço heróico e suicida, para que elas consumam suas forças tentando destruí-lo. Enquanto isso, o resto das tropas avançam. O Brasil se desenvolve. E Dirceu se transforma, talvez sem muita consciência disso, num mártir pós-moderno. Ele se ofereceu em sacrifício aos chacais da mídia, permitindo que o lulismo seguisse adiante, concretizando políticas sociais urgentes, reformando o Estado, acumulando forças para embates futuros.

Jamais um político ocidental foi tão satanizado pela mídia como José Dirceu. A agressão simbólica, semiológica, gráfica, audiovisual, literária, política, jurídica e até mesmo econômica que este homem sofreu não tem paralelo na história das democracias modernas.

Todas as forças obscuras, golpistas, reacionárias, se uniram para derrotar José Dirceu. Não visaram apenas o homem, mas toda sua história. Era preciso aniquilar o mito, afinal Dirceu era o quadro intelectualmente mais preparado do Partido dos

Trabalhadores, e poderia vir a ser o próximo presidente da República.

A destruição de Dirceu transformou-se no símbolo do esforço da mídia para criminalizar a política. Esforço este que tem sido uma de suas prioridades. Quando a mídia chama os blogueiros de “chapa-branca” por se posicionarem às claras num lado do embate político e ideológico, e os acusa de receberem, clandestinamente ou não, dinheiro do campo que defendem, usa a mesma tática de criminalização. Uma tática sobretudo hipócrita porque ninguém jamais recebeu tanto dinheiro do Estado, via publicidade, financiamentos, leis favoráveis, do que os grupos tradicionais de mídia. Recebeu e recebe.

A criminalização de Dirceu, e a pressão inaudita que a mídia exerceu sobre a opinião social, sobre a Procuradoria Geral da República e depois sobre o Supremo Tribunal Federal, para condená-lo sumariamente, independente dos autos e das provas, e jogá-lo numa prisão, são a perfeita síntese deste objetivo: criminalizar a política é uma forma sutil de manietar a democracia e entregá-la nas mãos das famílias que controlam os meios de comunicação.

O clã Marinho detêm a maior fortuna já amealhada por uma só família brasileira em 500 anos de história. Nem a família imperial, nem a monarquia portuguesa, jamais possuíram um poder financeiro tão avassalador: 52 bilhões de reais. Por isso é um imperativo moral que o governo brasileiro interrompa imediatamente qualquer transferência de recurso público para esta empresa. Eles já têm dinheiro demais. Um poder midiático dessa magnitude, somado ao gigantismo financeiro de seus proprietários, representa uma ameaça ao regime democrático e à igualdade de condições entre os diferentes agentes políticos que é condição vital para a existência de uma democracia.

Prender Dirceu tornou-se uma obsessão para as Organizações Globo. Será uma prova de seu poder. A vingança contra as derrotas que a democracia lhe impôs desde que as forças progressistas deram fim à ditadura. Derrotas intermitentes e relativas, é verdade, visto que a Globo venceu em 1989, com a eleição de Collor, cuja eleição não apenas apoiou como colaborou decisivamente através da manipulação do último debate na TV; venceu depois com a deposição do mesmo Collor, quando este já tinha realizado as reformas que a Globo defendia e lhe interessava a partir de então se desvincular de sua impopularidade.

Venceu em 1994 e 1998, com a eleição de FHC, abafando o escândalo da reeleição e minimizando os problemas econômicos que se acumulavam; de certa maneira, também venceu durante os governos petistas, ao impor uma política de comunicação que lhe permitiu superar sua crise financeira e consolidar-se como a família mais rica do país. Os seis ou sete bilhões de reais que a Secom deu à Globo, nos últimos 11 anos, ajudaram-na a esmagar seus concorrentes, via práticas monopolísticas e predatórias no mercado publicitário, e a transformar a família Marinho num Leviatã tatuado com uma cifra na testa.

Entretanto, mesmo reunindo um patrimônio tão impressionante, a Globo tem visto seu poder minguar. Seu principal ativo, uma concessão pública, tem perdido audiência para internet e outros canais, abertos ou fechados. Seu lobby no parlamento declinou. O jovem de classe média hoje vê a Globo como um veículo cafona, sem graça e anacrônico. Suas apostas presidenciais falharam e prometem falhar outra vez no ano que vem.

A estratégia inconsciente de Dirceu, portanto, acabou dando certo. A Globo investiu tantos recursos em sua destruição que negligenciou o resto do exército. Enquanto Globo e Veja continuam a dar capas e mais capas contra Dirceu, o Brasil profundo continua melhorando de vida. E se hoje se tornou mais crítico e mais contestador, se exige mais dos governos, também está cobrando mais da mídia, que vê igualmente como um agente político, e dos mais conservadores e odiosos. A queda de “popularidade” que tanto assustou os políticos, como vemos, também atingiu em cheio a Rede Globo. A verdade, enfim, é dura…

Em mensagem a militantes enviada hoje pela manhã, o ex-ministro confirmou que irá apelar a todas as instâncias possíveis para lutar por sua inocência. Levará seu caso à Organização dos Estados Americanos (OEA), para denunciar os vários abusos que sofreu, junto com outros réus, no curso da Ação Penal 470: “ausência da dupla jurisdição, a opressiva publicidade, um julgamento ao vivo pelas redes de TV, a falta de provas, o desconhecimento das provas da defesa, a farsa do dinheiro público e do desvio dos recursos da Visanet, o uso indevido da Teoria do Domínio do Fato, o julgamento durante as eleições, as condenações as vésperas do primeiro e segundo turno, as penas absurdas numa violação aberta do código e da jurisprudência, a ausência de ato de oficio, no meu caso o reconhecimento explícito pelo MP e Ministros da ausência de provas.”

O ex-deputado lembra que hoje há “farto material de provas colhidos pela revista Retrato do Brasil” que provam o uso regular dos recursos da Visanet e apontam os erros grosseiros da procuradoria e do STF.

Íntegra da mensagem de Dirceu:

Prezada … minha gratidão pelo apoio, solidariedade e presença amiga, vou lutar, vamos lutar, ate provar minha inocência, vou a revisão criminal e as cortes internacionais, a farsa e o julgamento de exceção tem que ser denunciado, a violação dos mínimos direitos da defesa e das garantias individuais, a ausência da dupla jurisdição, a opressiva publicidade, um julgamento ao vivo pelas redes de TV, a falta de provas, o desconhecimento das provas da defesa, a farsa do dinheiro publico e do desvio dos recursos da Visanet, o uso indevido da Teoria do Domínio do Fato, o julgamento durante as eleições, as condenações as vésperas do primeiro e segundo turno, as penas absurdas numa violação aberta do código e da jurisprudência, a ausência de ato de oficio, no meu caso o reconhecimento explicito pelo MP e Ministros da ausência de provas, ha farto material de provas colhidos pela revista Retrato do Brasil, vamos a luta conto com você e sua indignação que e minha também. Estou as ordens para juntos vencermos essa batalha, nada me impedira, vou lutar sempre. abraços Ze

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04 Sep 14:50

TST condena projeto da terceirização; mídia silencia

by Conceição Lemes

Projeto de lei de Sandro Mabel (PMDB-GO) libera a terceirização nas empresas, até quarteirização

Umberto: Ministros do TST condenam o PL 4330 e a mídia silencia

Numa decisão histórica, 19 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) redigiram um parecer que condena em termos duros e enfáticos o Projeto de Lei 4330/2004, que escancara a terceirização e abre caminho a um dramático retrocesso na legislação e nas relações trabalhistas do Brasil, comprometendo o mercado interno, a arrecadação tributária, o SUS e o desenvolvimento nacional.

por Umberto Martins*, para o Portal Vermelho, sugestão de Julio Cesar Macedo Amorim

No dia 27 de agosto, os ministros encaminharam ofício à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmera Federal anunciando a posição e denunciando o risco de “gravíssima lesão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País” e redução do “valor social do trabalho”.

Apesar da relevância do tema e da inegável autoridade do tribunal, a mídia hegemônica não se interessou pelo fato, que é um petardo contra o PL 4330, do deputado Sandro Mabel, um capitalista (ou empresário, para quem prefere o eufemismo) de Goiás. O comportamento da mídia não surpreende, mas o silêncio sepulcral diz muito sobre o caráter de classe daquilo que antigamente costumávamos chamar de imprensa burguesa, cujos proprietários têm interesse direto na precarização do trabalho e foram os que mais choraram o veto do ex-presidente Lula à famosa Emenda 3.

Terceirização é um estupro

A terceirização é “um estupro da classe trabalhadora”, conforme a indignada e justa definição do presidente do Sindicato Nacional dos Marítimos (Sindmar) e vice-presidente da CTB, Severino Almeida. É um instrumento do capital, em seu afã insaciável de maximizar os lucros, para eliminar direitos, reduzir salários, dividir as categorias e enfraquecer os sindicatos.

Estudo recente do Dieese e da CUT mostra que o terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada de três horas semanais a mais e ganha 27% menos do assalariado contratado diretamente pela empresa. Ou seja, a terceirização, que integra a ofensiva neoliberal do capitalismo, propicia um aumento dramático da taxa de exploração da classe trabalhadora, a taxa de mais valia pesquisada por Karl Marx.

O pretexto para escancarar a terceirização é a busca de maior competitividade e produtividade do trabalho, que na concepção dos capitalistas se faz depreciando o valor da força de trabalho. Mas os defensores do projeto são capazes de jurar de cara limpa e pés juntos que querem proteger seus funcionários. Haja cinismo.

Um pronunciamento vigoroso

A Justiça do Trabalho nem sempre favoreceu os interesses dos assalariados, mas o pronunciamento dos 19 ministros do TST sobre o PL 4330 revela muito mais firmeza, ciência, sabedoria e coragem do que as próprias centrais sindicais e alguns líderes de partidos políticos que dizem representar a classe trabalhadora, mas parecem meio perdidos nas brumas ilusórias da conciliação de classes.

O movimento sindical luta para impedir a aprovação do monstrengo capitalista construído por Mabel. A campanha nacional por sua rejeição integra a Pauta Trabalhista propagada nas manifestações nacionais realizadas nos dias 11 de julho, 6 de agosto e no último dia 30.

Nesta terça-feira, 3, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) promove atos em vários aeroportos do país alertando o povo brasileiro para a necessidade de ampliar a mobilização e luta contra a proposta.

Reproduzo abaixo a íntegra do ofício enviado à CCJC para que os leitores e leitoras façam seu próprio julgamento, reflitam sobre os riscos embutidos na PL do capitalista Mabel e contribuam para estabelecer a verdade dos fatos e desmascarar as reais intenções do autor, da CNI e outras entidades patronais que fazem forte lobby no Congresso pela aprovação do projeto. O documento dos ministros é esclarecedor e merece amplo apoio e propaganda. Ajude a divulgá-lo e a enfrentar a conspiração do silêncio da mídia burguesa.

Brasília, 27 de agosto de 2013

Excelentíssimo Senhor deputado Décio Lima

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania

A sociedade civil, por meio de suas instituições, e os órgãos e instituições do Estado, especializados no exame das questões e matérias trabalhistas, foram chamados a opinar sobre o Projeto de Lei nº 4.330/2004, que trata da terceirização no Direito brasileiro.

Em vista desse chamamento, os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, infra-assinados, com a experiência de várias décadas na análise de milhares de processos relativos à terceirização trabalhista, vêm, respeitosamente, apresentar suas ponderações acerca do referido Projeto de Lei:

I. O PL autoriza a generalização plena e irrefreável da terceirização na economia e na sociedade brasileiras, no âmbito privado e no âmbito público, podendo atingir quaisquer segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções, desde que a empresa terceirizada seja especializada.

II. O PL negligencia e abandona os limites à terceirização já sedimentados no Direito brasileiro, que consagra a terceirização em quatro hipóteses:

1- Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974);
2- Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);
3- Contratação de serviços de conservação e limpeza;
4- Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a personalidade e a subordinação direta;

III. A diretriz acolhida pelo PL nº 4.330-A/2004, ao permitir a generalização da terceirização para toda a economia e a sociedade, certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais.

Neste sentido, o Projeto de Lei esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em ´prestadores de serviços´ e não mais ´bancários´, ´metalúrgicos´, ´comerciários´, etc.

Como se sabe que os direitos e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas.

IV. O rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões de concidadãos, além de comprometer o bem estar individual e social de seres humanos e famílias brasileiras, afetará fortemente, de maneira negativa, o mercado interno de trabalho e de consumo, comprometendo um dos principais elementos de destaque no desenvolvimento do País. Com o decréscimo significativo da renda do trabalho ficará comprometida a pujança do mercado interno no Brasil.

V. Essa redução geral e grave da renda do trabalhador brasileiro – injustificável, a todos os títulos – irá provocar também, obviamente, severo problema fiscal para o Estado, ao diminuir, de modo substantivo, a arrecadação previdenciária e tributária no Brasil.

A repercussão fiscal negativa será acentuada pelo fato de o PL provocar o esvaziamento, via terceirização potencializada, das grandes empresas brasileiras, que irão transferir seus antigos empregados para milhares de pequenas e médias empresas – todas especializadas, naturalmente -, que serão as agentes do novo processo de terceirização generalizado.

Esvaziadas de trabalhadores as grandes empresas – responsáveis por parte relevante da arrecadação tributária no Brasil -, o déficit fiscal tornar-se-á também incontrolável e dramático, já que se sabe que as micro, pequenas e médias empresas possuem muito mais proteções e incentivos fiscais do que as grandes empresas. A perda fiscal do Estado brasileiro será, consequentemente, por mais uma razão, também impressionante. Dessa maneira, a política trabalhista extremada proposta pelo PL 4.330-A/2004, aprofundando, generalizando e descontrolando a terceirização no País, não apenas reduzirá acentuadamente a renda de dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros, como também reduzirá, de maneira inapelável, a arrecadação previdenciária e fiscal da União no País.

VI. A generalização e o aprofundamento da terceirização trabalhista, estimulados pelo Projeto de Lei, provocarão também sobrecarga adicional e significativa ao Sistema Único de Saúde (SUS), já fortemente sobrecarregado. É que os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais/profissionais em proporção muito superior aos empregados efetivos das empresas tomadoras de serviços. Com a explosão da terceirização – caso aprovado o PL nº 4.330-A/2004 -, automaticamente irão se multiplicar as demandas perante o SUS e o INSS.

São essas as ponderações que apresentamos a Vossa Excelência a respeito do Projeto de Lei nº 4.330-A/2004, que trata da ´Terceirização’

Respeitosamente,

Seguem as assinaturas dos ministros Antonio José de Barros Levenhagen; João Oreste Dalazen; Emmanoel Pereira; Lelio Bentes Corrêas; Aloysio Silva Corrêa da Veiga; Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Alberto Luiz Bresciane de Fontan Pereira; Maria de Assis Calsing; Fernando Eizo Ono; Marcio Eurico Vitral Amaro; Walmir Oliveira da Costa; Maurício Godinho Delgado; Kátia Magalhães Arruda; Augusto Cesar Leite de Carvalho; José Roberto Freire Pimenta; Delaílde Alves Miranda Arantes; Hugo Carlos Sheurmann; Alexandre de Souza Agra Belmonte e Claudio Mascarenhas Brandão.

*Umberto Martins é jornalista e assessor da Presidência da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)

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04 Sep 14:43

CA da USP: Declaração de Maristela sobre a Bolívia é degradante

by Conceição Lemes

Nota de repúdio às declarações da Profª. Maristela Basso sobre a Bolívia

Blog Racismo Ambiental,  sugestão de Fernanda Giannasi

O Centro Acadêmico Guimarães Rosa (Relações Internacionais – USP) vem a público manifestar seu amplo repúdio e indignação em relação às declarações da Professora de Direito Internacional da USP, Maristela Basso, sobre a Bolívia e o povo boliviano. Comentarista política do telejornal da TV Cultura, a docente disse no programa do dia 29/8/2013:

“A Bolívia é insignificante em todas as perspectivas, (…) nós não temos nenhuma relação estratégica com a Bolívia, nós não temos nenhum interesse comercial com a Bolívia, os brasileiros não querem ir para a Bolívia, os bolivianos que vêm de lá e vêm tentando uma vida melhor aqui não contribuem para o desenvolvimento tecnológico, cultural, social, desenvolvimentista do Brasil.”

O fato de a Bolívia supostamente não ter relevância econômico-comercial para o Brasil e ser um país pobre não a torna menos merecedora de nosso mais profundo respeito. Da mesma forma, os imigrantes bolivianos que vêm ao Brasil “tentar uma vida melhor” e que de maneira geral sofrem com as intempéries do trabalho precário e da subcidadania merecem no mínimo a nossa solidariedade.

Respeito e solidariedade foram conceitos que passaram longe da declaração professora Maristela Basso. É estarrecedora a tranquilidade e a naturalidade com a qual ela fez o seu comentário explicitamente degradante e xenofóbico em relação a um país vizinho.

A fala da professora expressa o mesmo desprezo que um brasileiro ou qualquer outro latino-americano poderia sofrer por parte dos países “desenvolvidos” – muitos dos quais, não por coincidência, nossos colonizadores. Desconheceria a docente que nós também compartilhamos de um passado colonial? Ou talvez isso simplesmente não importe quando supostamente não existem “interesses estratégicos e comerciais”, o que nos faz pensar sobre o lugar que ocupam as temáticas de paz e direitos humanos nos estudos e preocupações da professora.

Tuítes da professora, via Renato Brandão, no Facebook

O fato é que nós temos muito mais a ver com a Bolívia do que quer dar a entender a fala de Maristela Basso. Compartilhamos com este país vizinho e o resto da América Latina de um passado de brutal exploração. Uma exploração que começou com a colonização, mas que não acabou com ela e cujos efeitos ainda tentamos superar. Exploração que ainda predomina na mente colonial dos “países desenvolvidos”, ao inferiorizar tanto os governos quanto a população latino-americanos, incluindo o Brasil. Não podemos nos tornar iguais àqueles que nos subjugam.

Há razões históricas para a Bolívia ser pobre como é hoje em dia e para haver tantos imigrantes bolivianos se arriscando no Brasil. São as mesmas razões pelas quais em toda América Latina, incluindo o Brasil – como se sabe ainda um dos países mais desiguais do mundo – há tanta pobreza. Uma delas certamente é a obra histórica da uma elite que descolonizou o continente em proveito próprio, mas jamais para emancipar de fato o seu país e o seu povo. Elite que, afinal, pensava como o colonizador. E que falava como Maristela Basso fala.

É, portanto, essa mentalidade negligente com o nosso passado e que subsidia com naturalidade a xenofobia o que de fato não contribui, em nenhuma perspectiva, para o nosso desenvolvimento. E é contra essa mentalidade – tão bem representada pela lamentável fala de Maristela Basso – que apresentamos todo nosso repúdio.

Com a mesma determinação, nos solidarizamos com a Bolívia, o povo boliviano e os imigrantes que aqui vivem e convidamos a todas as entidades interessadas a assinar e divulgar essa nota.

Atenciosamente,

Centro Acadêmico Guimarães Rosa

Veja a declaração da professora no Jornal da Cultura

Maristela Basso: “A Bolívia é insignificante em todas as perspectivas”

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04 Sep 14:40

Casulo de Tristeza

by Cássia Pires

Tristeza tem fim sim, mas é inevitável e, uma vez que ela chega, deve ser tratada como hóspede importante. Não adianta fingir que ela não está ali, no meio da sala com suas malas ao lado, pronta para passar uma temporada dentro nós. Melhor acomodá-la, fazer um café e ver o que ela tem para contar. Trata-se de visita que nunca aparece sem uma missão, se for levada em conta, mais cedo parte.

Ela surge bem cedo na vida, só que não é dado às crianças ficar suspirando por aí. É na puberdade, fase cheia de desânimo, que ela aprende a se instalar. A partir daí, volta e meia dá medo de viver e é preciso procurar abrigo. Há outros jeitos de desconversar a desesperança, mas não se cresce sem essas visitas. Carece construir um bom casulo de tristeza: ele é como um escudo protetor, um lugar onde se recolher para temer, questionar e olhar o mundo de fora. Entramos nessa espécie de abrigo em diferentes fases da vida, passa a ser o habitat das nossas transformações. Pensando assim, a tristeza parece algo bem menos pernicioso e assustador.

Para continuar lendo o texto, aqui.

Diana Corso, em “Casulo de Tristeza”.


Filed under: Sociedade
04 Sep 13:52

"ahh se o chuveiro lavasse a alma" Marcel Serrano, Recreio dos...



"ahh se o chuveiro lavasse a alma" Marcel Serrano, Recreio dos Bandeirantes

03 Sep 12:46

Carta aberta de médica que sentindo muita vergonha alheia se desfilia do SIMEPE

by mariafro

“A socialidade primária feita de coisas simples e arranjadas, de vizinhança e solidariedade está perdida no tempo. Nesta socialidade o ser humano não tem medida, ele é visto pela criatura que verdadeiramente é, na sua essência. Na sociedade de homens inteiros as sofisticações não existem. Não deve haver complexidades. O homem trabalha e divide o trabalho, ele sustenta e divide o sustento. Não há que armazenar porque sente a presença do semelhante. Esta sociedade, infelizmente, está no passado quase remoto, porém, não se perdeu na memória do poeta.” Marco Antônio Castelli

Recife, 29 de agosto de 2013

Caríssimos e caríssimas,

Há tanto o que falar e me pego subitamente sem saber por onde começar. Então, me permito começar pelo começo.

Muitos(as) de vocês conhecem boa parte de minha história. Sou cearense, nascida em Fortaleza, filha primogênita de um casal de funcionários públicos: minha mãe, sertaneja, professora, formada em Pedagogia. Meu pai, serrano, terminou o segundo grau, mas não fez nenhum curso superior.

Os dois vieram de famílias simples e de proles grandes. Meu pai tem dez irmãos. Minha mãe, 14. A vida deles nunca foi muito fácil, especialmente a de minha mãe. Meu avô materno fez uma morte súbita ainda jovem e minha avó (que todos vocês bem conhecem, por repetidas vezes eu citar seus sábios dizeres em reunião) precisou redobrar seus trabalhos com costura e bordado para conseguir a difícil tarefa de educar seus filhos. Educação essa que lhe parecia sagrada e da qual não abria mão, até porque pessoalmente nunca a teve.

Sou a segunda médica da minha família. Tenho um tio materno médico pediatra. Sei na carne as dificuldades que minha família e eu passamos para que esse meu sonho acontecesse. Não ser nascida em família abastarda ainda castra os sonhos de muita gente nesse país.

Eu consegui seguir o rumo que desejei, mas tenho a clareza que muitos não o fizeram, não porque não souberam desejar. Ou porque são “menores”, “piores” ou “mais fracos”. Não porque não foram “persistentes”. Há todo um sistema que retroalimenta e culpabiliza o inconsciente das massas com essa falsa certeza. Muitos não possuem a possibilidade de escolher seus caminhos de forma livre porque não tiveram oportunidade. Porque o jogo está todo errado. Porque no mundo em que vivemos não é suficiente ser. É preciso ter.

Nesse cenário há duas escolhas: a primeira, manter-se no estado das coisas e seguir no rumo das ondas, aprendendo a nadar e evitando o risco de se afogar. E há uma segunda escolha, mais perigosa, mais tênue e instável, que é a de ousar, de remar contra a maré. Eu escolhi há muitos anos, em nome dessas tais e tantas pessoas mais humildes e sem rumo que dedicaria meu suor, minha força, minha cognição e meus dias nessa segunda proposta, de modo a permitir que tivéssemos um dia, um mundo de fato partilhado entre todos e todas. É ideológico. É pessoal, é político. É existencial.

Assumi e assumo diariamente os riscos e contradições dessa escolha e construo minha trajetória absolutamente balizada por essa convicção. Alguns chamam isso de paixão. Para muitos pode parecer piegas, insensato. Pode parecer ridículo, obsoleto. Utópico demais. Mas acredito que somos livres para optar, assumindo a responsabilidade que todo poder nos proporciona. Inclusive o poder de pensar.

Minha escolha profissional dialoga diretamente com essas questões. E desde estudante, construí caminhos de protagonismo tanto de cuidado com o outro, como de cuidado com o mundo. Comecei a fazer atividades comunitárias, a pisar na lama e a sentir o cheiro do Brasil ainda com cara de menina, quando consolidei ainda mais esse pensamento. Não me sinto seduzida pela pompa que a medicina desenhou ao longo de sua história. Encanto-me é com a possibilidade de olhar no olho das pessoas, de sentir o calor que elas passam, rir suas risadas, chorar seus prantos, sejam ricas, sejam pobres. Tenham dentes na boca ou não. Eu quero ajudar a produzir plenitude de vida para mim e para os que me cercam, não necessariamente nessa ordem. Eu sou uma médica que gosta do bicho gente.

Escolhi participar diretamente das entidades médicas há mais de três anos, mas acompanho as posturas do SIMEPE há quase 13 anos. Vi, desde há muito, um sindicato que se destacava por ser diferente.

Era diferente, porque apesar de fazer movimento de área, equivocada construção histórica da organização dos trabalhadores que retroalimenta o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, não priorizava uma pauta auto-centrada. Mesmo com todas as contradições e momentos específicos, partilhava a pauta com a agenda de consolidação do SUS, com os demais trabalhadores da saúde e se importava verdadeiramente em construir junto com a opinião pública e sociedade.

Era diferente, porque se destacava regional e nacionalmente por ter um discurso combativo sim, mas qualificado e construtivo. Protagonizou grandes e belas lutas, tensionando importantes vitórias que extrapolavam o umbigo da categoria. O Brasil inteiro sabia que o SIMEPE era diferente, a entidade sempre foi procurada para opinar sobre um tudo. Essa casa cresceu, vinha mudando de cara, mas há muitos anos prezou por ser para além de uma entidade representativa de médicos. O SIMEPE fazia movimento social.

Venho de uma geração nascida após a reabertura política brasileira. Dei meus primeiros passos e fui crescendo junto com a redemocratização. Costumo participar e construir por dentro os processos e, sendo escutada, respeitada e bem vinda, topo inclusive os enfrentamentos. Pela palavra. Pelo argumento. Mesmo com todas as divergências, topo discutir e encontrar um denominador comum que possui um único norteamento e fiel nessa balança: o bem estar das pessoas. A defesa da vida das pessoas.

Vim de seis anos de movimento estudantil, de mais seis anos de medicina de família e comunidade, dois desses de medicina rural. Participei e participo do movimento feminista, da reforma psiquiátrica, do movimento de reforma sanitária. E esses capítulos da minha história moldaram e moldam o que sou hoje. É por essa história que vivo, ela é meu maior patrimônio. E é por ela que falo agora.

Sempre tive múltiplas diferenças e discordâncias com vocês. Na verdade, com as entidades médicas como um todo. Nunca gostei de alguns silêncios seletivos e de uma variedade de questões e posturas internas e externas do movimento médico, ao meu ver bastante conservadoras. Nunca me senti confortável com o corporativismo que coloca o bem estar do médico em primeiríssimo lugar. Que escolhe calar, a falar. Mesmo que isso custe o zelar pela boa medicina e pelo bem estar dos pacientes. E que ajuda, por consequência, a manter uma inércia social que há mais de 500 anos corta e sangra os mesmos. A mesma gente brasileira de sempre.

A nossas concepções de missão dessa casa já eram, de saída, diferentes. Entrei no SIMEPE para fortalecer a agenda do SUS, para construir qualidade na medicina e para defender os bons médicos e suas equipes. Essa sempre foi minha maior mobilização. Sempre fui muito honesta com vocês quanto a essa diferença, nunca escondi essas vicissitudes. Mas foi muito duro perceber o crescente dessas nossas diferenças. Segui com meu espírito crítico chamando as partes a pensarem, mantive-me falando mais internamente e calando mais externamente, por respeito a esse grupo e as coisas que acreditei serem ainda possíveis de serem construídas com vocês. Um silêncio caro, que me faz sofrer horrores nesses últimos meses.

Mas infelizmente o que eu temia aconteceu. O esquentar dessa guerra sangrenta, a agudização das dicotomias, a fervura apaixonada das discordâncias ideológicas culminaram com o esbravejar uníssono e inconsequente da categoria médica. Que se perdeu no discurso, que não soube pautar as importantes e pertinentes considerações que trazia. Nada além da raiva de nunca ter perdido antes. Não separou o joio do trigo, os pleitos de direitos, dos de privilégio. Não soube ser generosa. Não soube ser estratégica. A indignação de perder parte do seu histórico biopoder é inaceitável para muitos, que preferem esperar na antessala da nação, enquanto alguém mágico resolva (ou não) construir o tal país de maravilhas que tanto merecemos. O Brasil precisa de mais.

As lideranças médicas optaram por abrir uma caixa de Pandora, que não sei sinceramente se irão conseguir fechar. Dispararam uma onda e vem perdendo de forma avassaladora a credibilidade social e colocando-nos, todos, numa berlinda que nunca fiz por onde estar.

As máscaras seguem caindo e mostrando, a todo momento, a todo gesto, quem realmente é quem. As pessoas nobres e toscas dos dois lados. Porções de nobreza nas considerações de ambos os segmentos. Pessoas da base e do governo azeitadas pela mídia e opinião pública em franco maniqueísmo. Muito grito, muita indignação, muito desrespeito. Muito ódio.

Definitivamente não funciono nesses termos. Não foi com isso nem pra isso que vim a esse mundo. Sinto-me cada vez mais escanteada e menos escutada nessa casa. Por mais que eu fale, argumente, persista, venho assistindo ao ascenso de uma agenda fortemente corporativista e conservadora por parte das entidades médicas e especialmente do SIMEPE. Agenda essa que não me move, só me comove.

Enterrar o ministro da saúde e por consequência toda a atual política de saúde do país e do SUS por conta da discordância quanto ao Programa Mais Médicos não combina com minha história.

Assistir incólume a toda a perseguição e coação de pessoas importantes pro SUS e pro SIMEPE por parte de uma base raivosa e revanchista, sem absolutamente nenhum respeito e pronunciamento em defesa dos mesmos por parte dessa diretoria não combina com minha história.

Uma campanha de mídia que ataque frontalmente o SUS tratando-o como um navio afundando ou um avião caindo e a comparação falada em rádio de que médicos estrangeiros são “pernas-de-pau” na medicina não combina com minha história.

Mas o que o SIMEPE fez na assembléia da última segunda feira 26 não tem nome. Pelo que se consagrou chamar de ética e pela defesa dos médicos, optou-se por perseguir, retaliar e atacar…médicos! Os maiores e mais poderosos, xingados. Os menores, processados, podendo perder seus registros profissionais. Porque ousam discordar. Convivo, trabalho e milito há muitos anos com Rodrigo Cariri. Sei de sua história, de seu valor, de sua coragem. E sei que vocês também sabem. Expor ele e quem quer que fosse a essa situação vexatória por discordância política, repito, não tem nome.

O dedo julgador da categoria médica acordou para apontar não omissões de socorro, maus tratos aos os pacientes, desvios de verba do SUS, escalas não cumpridas de plantão, gestores corruptos, cobranças indevidas de procedimentos, relação incestuosa com a indústria farmacêutica. O dedo apontou para quem topou discordar, quebrar o feitiço. Autoritário, vertical, covarde. Inaceitável. Bem destoante de tudo o que vi na história dessa casa até então.

E em sendo assim, com essa sequencia de acontecimentos, não me resta outra alternativa. Coloco hoje meu cargo de diretora de relações institucionais do SIMEPE à disposição. Não me sinto representada nem represento esse tipo de agenda e atitude.

Tenho a clareza que tentei de um tudo. Trabalhei e doei o meu melhor para construir o bom trabalho, o bom debate e a boa política ao longo desses três anos. Lutamos juntos por muitas coisas que julgo importantes e aprendi a conviver e a ter amizade pessoal com boa parte de vocês. Nossas diferenças não nos impediram de nos afeiçoarmos e permaneço tendo afeto verdadeiro por muitos que aqui ficam.

Sei que uns lamentarão, outros comemorarão e outros sentirão alívio com minha saída. De toda forma, agradeço a oportunidade de convívio e aprendizagem. Aprendi muitíssimo com vocês. Espero ter cumprido o meu papel. Espero, também que tenham a grandeza de fazer uma auto-crítica e ajustar trajetória para lutarem a boa luta. Força e disposição sei que não faltarão. E o SUS precisa demais da força de luta que o SIMEPE sempre lhe ofertou.

Agradeço especialmente aos funcionários e funcionárias do SIMEPE que sempre e tanto me acolheram. Meu carinho e meu desejo de boa sorte a todos e todas.

Desculpem o prolongamento da carta. Sempre tanto a dizer.
Atenciosamente,

Rafaela Alves Pacheco.
Médica de Família e Comunidade
Militante em Defesa da Vida.

“Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que percorremos, mas se nos detivermos em nossa imagem, quando a iniciamos e ao término, certamente nos lembraremos o quanto nos custou chegar até o ponto final, e hoje temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas somos mais juntos. Sabemos mais uns dos outros e é por esse motivo que dizer adeus se torna complicado! Digamos então que nada se perderá. Pelo menos dentro da gente…”

Guimarães Rosa

02 Sep 19:47

Tijolaço: Sobre os “pequenos maquiadores do monstro”

by Luiz Carlos Azenha

A Globo, afinal, cospe no golpe em que comeu e engordou

31 de agosto de 2013 | 20:41

por Fernando Brito, no Tijolaço

O Globo divulgou neste sábado à tarde um comunicado, em que reconhece que seu apoio ao Golpe de 64 foi um erro.

“Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. 
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.”

Não foi um erro, não.

Foi um crime, e deste crime as Organizações Globo beneficiaram-se lautamente, ao ponto de fazer com que a fortuna dos três herdeiros do capo Roberto Marinho constitua-se na maior do Brasil e uma das maiores do mundo.

Nenhum militar dos que tenham feito e servido à ditadura tem sequer um milésimo do que o regime deu aos Marinho.

Portanto, começemos assim, chamando as coisas pelo que elas são. Não erro, não “equívoco”.

Crime. Contra a democracia, contra o voto popular, contra a vida de milhares de cidadãos mortos pela ditadura que a Globo ajudou a fazer e a sustentar, e ganhando muito, muito, muitíssimo dinheiro com isso.

Esse dinheiro, certamente, a Globo não considera um “erro”, pois não?

Pois seu império nasceu ali, junto com a ditadura, com um negócio ilegal que o regime ditatorial tolerou e acobertou: a associação com o grupo Time e as fartas verbas que os EUA destinavam a evitar o “perigo comunista”, colocando a nascente e poderosa mídia, a televisão, nas mãos amigas de “gente confiável”.

A Globo usou esse poder. Em condições ilegais perante o Código Brasileiro de Telecomunicações que proibia a concentração de emissoras em todo o país nas mãos de um só grupo empresarial, comprou televisões em todo o Brasil, dissimulando-as na condição de “afiliadas”, quando são verdadeiras sucursais do grupo, presas inteiramente a seu comando e estratégia de negócios.

Para isso, lambeu as botas da ditadura e serviu-lhe de instrumento despudorado de propaganda.

O que seu editorial de hoje diz, ao procurar desvincular-se do horror da tortura e da morte, ao falar de como Roberto Marinho protegia “seus comunistas” é de uma indignidade sem par. Ou vamos entender que aquele que não era seu empregado poderia bem morrer sob seu silêncio, ou vamos entender que aqueles profissionais, que trabalhavam e contribuíam para o sucesso da empresa, merecem ser exibidos como “gatinhos de estimação”, gordos e protegidos, e “livres da carrocinha” que laçava outros pelas ruas deste país.

A Globo nunca teve vergonha de, nas palavras de seu Füher, “usar o poder” de que dispunha em benefìcio dos políticos e governantes de sua predileção, durante e depois do período militar.

Patrocinou a Proconsult contra Brizola. Manipulou o debate de 89 em favor de Collor e contra Lula. Apoiou desavergonhadamente a eleição de Fernando Henrique Cardoso, encobrindo-lhe a escapada conjugal desastrada, somando-se à manipulação eleitoral da nova moeda, promovendo a dilapidação das empresas pertencentes ao povo brasileiro,  apoiando e dando legitimidade à vergonhosa corrupção que envolveu a aprovação da proposta de reeleição em causa própria.

Quem quiser provas disso, leia O Príncipe da Privataria, que chegou este final de semana às livrarias.

A autocrítica, que nos homens de bem é uma virtude e um momento a ser louvado, na Globo é apenas o que ela é: interesse em dinheiro transformado em sabujice.

Percebeu que o projeto Lula-Dilma não pode ser derrotado, malgrado todas as suas tentativas, e lança estes “mea culpa” fajutos para se habilitar – ainda mais, ainda mais! – aos dinheiros públicos do Governo, vício incorrigível de seu ventre dilatado e enxundioso.

Tudo na Globo é falso, como tive a honra de escrever há quase 20 anos para Leonel Brizola em seu famoso “direito de resposta” à Globo.

Nem o coro que diz que “voltou às ruas” – ele nunca saiu! – não é esse: é “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

Porque o povo, que não é bobo, pode perdoar aqueles que erraram e mudaram sinceramente de atitude ao perceber seu erro.

A Globo, não.

Comeu cada côdea do rico pão que o regime lhe deu e só mudou de lado quando as ruas, inundadas pelas “Diretas-Já” tornaram o regime uma sombra em ruínas.

Seus jovens executivos, que planejaram este ato de contrição fajuto, com todos as suas melosidades e senões, são apenas pequenos maquiadores deste monstro que acanalhou a vida brasileira e que vai ter um fim mais rápido e ruidoso do que muitos imaginam.

Porque o povo não é bobo, sabe que a Globo é um cancro que precisa ser extirpado da vida brasileira.

E é por isso que grita o que a Globo não pode confessar:

Abaixo a Rede Globo!

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02 Sep 19:26

Salário de mercado?

by Luis Fausto

Da Folha de S.Paulo:

Citando o salário milionário de magistrados da Suprema Corte de Cingapura, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, defendeu o reajuste dos vencimentos dos ministros da corte pedido ao Congresso.

Questionado sobre o projeto de lei, disse que não iria responder. Mas decidiu “contar uma história”.

Ele afirmou que há três anos fora a um congresso na Alemanha, no qual um advogado de Cingapura disse que os membros da Suprema Corte do país recebiam US$ 1,5 milhão por ano, o equivalente a R$ 275 mil por mês –contando o 13º salário.

“As pessoas perguntaram: Por que mais de US$ 1 milhão? Ele disse: É porque lá as pessoas acham normal um juiz ter que ganhar um salário de mercado. Se ele não tiver uma remuneração desse nível, tendo em vista as responsabilidades altíssimas que ele tem, não terá como exercer com independência as atribuições do seu cargo’”.

Barbosa disse ter recebido este ano o ministro da Justiça do país asiático, K. Shanmugam, e o questionou sobre a veracidade da informação.

“A resposta dele: Não, bem mais. O presidente recebe US$ 2 milhões’. Não estou dizendo que nós no Brasil devemos ganhar US$ 1,5 milhão. Simplesmente contei uma história que é verdadeira”.

Barbosa enviou ao Congresso projeto de lei que amplia o reajuste previsto para os ministros, o que deve provocar um efeito cascata. Em vez dos 5% previstos em lei do ano passado, ele pediu reajuste de 9,26%, chegando a R$ 30.658 mensais. O impacto aos cofres públicos será de R$ 150 milhões ao ano.

02 Sep 19:25

Gaby Amarantos e Preta Gil no “Medida Certa”: uma medida errada

by Letícia F.

“Conheci” Preta Gil quando ela lançou um disco em que aparecia pelada na capa.

preta gil

Além da nudez, a polêmica se instaurou porque… ela era gorda. Como assim uma gorda está de bem com o próprio corpo e não tem vergonha de ser fotografada pelada?

Isso tem dez anos, e Preta sempre foi perseguida (pelo menos nas redes sociais) por ser gorda. Ao mesmo tempo, tornou-se um símbolo para muitas mulheres: ela tinha vida sexual, usava roupas coloridas, ia à praia de biquíni. Um exemplo – ainda que milhões de outras gordas façam a mesma coisa, só que não são celebridades.

Justamente por essa postura é que Preta Gil assinou coleções plus size. É o nome dela que aparece nas etiquetas que estão nas araras neste momento na C&A.

Gaby Amarantos, cantora paraense, trouxe ainda mais coisa a ser celebrada. O nortista, o sotaque delícia, a exuberância das roupas. Ela também é gorda.

E celebrou o próprio corpo, numa matéria da TPM do ano passado. Durante a apresentação do VMB em 2012, ela gritou “eu não visto 38!”. Virou um grito de guerra, de luta contra esses padrões midiáticos bizarros da magreza.

gaby-amarantos

Ambas abraçaram de bom grado o apoio e a publicidade adquirida por se apresentarem “fora dos padrões”. (sim, talvez se elas fossem magras a publicidade seria ainda maior, porque há anunciantes que não querem se ligar a “gente feia”.)

Eis que hoje fico sabendo que ambas estão participando do quadro Medida Certa, do Fantástico. O próprio nome da série é tosquíssimo; há, afinal, uma medida certa e uma medida errada? Estariam os gordos todos dentro dessa medida errada? Colocam algum magro tentando atingir a medida certa? Ah, entendi, todos os magros são saudáveis…

Mas como explicar que duas mulheres que há um par de meses celebravam os corpos, se diziam gostosas e satisfeitas com o próprio peso, incentivavam outras mulheres a descobrirem a autoestima independente da aparência, possam agora estar em busca da “medida certa”?

Eu sei dos meandros por trás da mídia. Não sou nada ingênua quanto a isso, mas lamento. As gordas têm tão poucas pessoas para se mirarem, para tomarem como modelo. Em todos os comerciais e revistas as mulheres são brancas, magras, de cabelo liso, barriga negativa, pele sem qualquer imperfeição, dóceis, delicadas, bem vestidas. A mensagem de “seja assim também” nos atinge diretamente na autoestima.

Não sou fã nem de Preta e nem de Gaby; conheço quase nada do trabalho delas. Mas acompanhava feliz a carreira e o posicionamento de ambas. Com Gaby, ainda achava mais legal por ela ser do norte, como eu, e ter conseguido vencer num meio extremamente competitivo.

Com certeza elas estão ganhando muito por participarem do programa (e eu não falo apenas do dinheiro). Também não têm nenhuma obrigação de serem modelos para as gordas. Elas podem mudar de ideia quando quiserem, mil vezes. Mas a mensagem que fica é: “dizia que era feliz sendo gorda, mas tudo o que queria era emagrecer”.

A gordura, então, se restabelece como uma situação de “passagem”. “Um dia eu emagreço e aí eu serei feliz”, pensam a maioria das gordas. Enquanto isso, a vida está aí, prontinha para se fazer o melhor dela. Felizes. Gordas.

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29 Aug 18:53

"Quem vigia quem vigia?" Porto Alegre - RS



"Quem vigia quem vigia?" Porto Alegre - RS

28 Aug 14:20

Médico brasileiro: Que eles ajudem no “resgate do raciocínio clínico”

by Luiz Carlos Azenha

por Luiz Carlos Azenha

Que diabos é “resgate do raciocínio clínico”?

É ter, diriam os médicos, uma atitude mais holística, completa, em relação ao paciente.

É pedir exames e receitar remédios só quando forem estritamente necessários.

É servir primeiro ao paciente, não às indústrias farmacêutica, de laboratórios clínicos e de equipamentos médicos.

Ajudar os colegas brasileiros a resgatar o raciocínio clínico. É a consequência esperada pelo médico Marcelo Coltro da passagem de 4 mil médicos cubanos pelo Brasil.

Diferentemente de muitos colegas, ele dá boas vindas aos cubanos. Fruto, talvez, de ter estado recentemente em Cuba.

Marcelo é especializado em Medicina de Família e Comunidade. Concursado, trabalha na Prefeitura de Florianópolis. Em fevereiro deste ano, esteve em Cuba com um grupo de médicos brasileiros para trocar experiências no setor. Viveu outra particularidade: depois de formar-se na Universidade Federal de Pelotas, foi o único médico residente em Protásio Alves, na serra gaúcha, experiência que muitos cubanos viverão agora, em cidades do Norte e Nordeste brasileiros.

Sem a histeria que tem caracterizado a reação de alguns médicos à chegada dos cubanos, Marcelo conta como foi sua experiência. Fala das similaridades e diferenças entre os dois sistemas de saúde, sobre o que o Brasil pode ensinar a Cuba e vice-versa.

Ciego de Ávila, na província de mesmo nome, cidade visitada pelo dr. Marcelo Coltro (wikipedia)

Trechos da entrevista, em que Marcelo fala também sobre o que Cuba pode aprender com o Brasil no setor e conta a história de um provável erro de médico brasileiro corrigido em Cuba, que ele testemunhou:

“Como o número de médicos [em Cuba] é maior em relação médico/habitante do que no Brasil, eles conseguem ter uma capacidade de cuidado muito melhor do que os médicos brasileiros aqui no sistema público. Por exemplo, a cidade que eu visitei, onde eu estive, tinha um médico dentro do sistema de saúde para cada 800 habitantes. Então, eles conseguiam organizar através da sua área de atuação a população de uma forma muito melhor estruturada do que a gente consegue organizar aqui no Brasil em que cada médico de família é responsável por 4 mil, 6 mil, 7 mil habitantes e tem cidades onde o médico de família é responsável pela cidade inteira”.

“Eu acho que se fosse uma força de trabalho médica para vir para o Brasil e permanecer para sempre eles deveriam fazer o Revalida. Mas eu entendi que no programa Mais Médicos eles vem para o Brasil não com interesse de substituir a mão-de-obra médica brasileira, que o programa Mais Médicos traz médicos estrangeiros para o Brasil até que o Brasil consiga se adequar à sua própria formação médica, enquanto isso vai acontecendo esses médicos estrangeiros seriam temporários e por isso talvez não precisem fazer o Revalida, que eles tem experiências em outras missões internacionais”.

“Quanto à formação médica dos médicos cubanos, me pareceu que eles tem uma formação médica muito semelhante à formação médica brasileira, e eu diria que é bem rígida por eles serem militarizados e super-estruturados. Eles tem o mesmo número de anos que a gente tem aqui na formação médica. Eles também tem especialidades lá, mas todos os médicos formados inicialmente tem de ser médicos de família, de comunidade. Precisam ter experiência médica para depois passarem para as especialidades. São muito bons cirurgiões, são bons oftalmologistas, são bons ortopedistas, mas principalmente são bons médicos de família e de comunidade”.

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“Talvez os médicos cubanos possam ensinar para a gente como usar melhor a tecnologia. Talvez a gente use a tecnologia muito precocemente quando cuida das pessoas. Ao andar pelas ruas de Ciego de Ávila, em Cuba, você não encontra farmácias como encontra aqui no Brasil. Quando você encontra farmácias em Cuba você tem muitas medicações que são fitoterápicas, medicações que a gente encontra aqui no Brasil numa quantidade um pouco menor. Assim como aqui no Brasil nós temos dificuldades de ter concentração de tecnologia por exemplo nos postos de saúde, por conta de ser muito caro, eles tem uma otimização de tecnologia muito maior. Quando uma pessoa lá em Cuba é submetida a uma tomografia é porque realmente ela tem necessidade de fazer essa tomografia”.

“Lá não é frequente a questão de você fazer check-up como é muito comum aqui no Brasil. Ou fazer exames laboratoriais de rotina para as pessoas ficarem medindo colesterol quando tem queixas de dor-de-cabeça ou tem queixas super inespecíficas para exames que são muito difundidos na mídia. Então eu vi que lá talvez tenha uma racionalização do uso da tecnologia que por conta da influência da indústria farmacêutica e da indústria dos insumos de saúde no Brasil desde a década de 60 nós perdemos, a questão do ampliado raciocínio clínico que os médicos tem lá e uma otimização da tecnologia”.

“Aqui a gente vê cada vez a mercantilização da medicina. Eu diria que os médicos brasileiros são bons médicos, mas existe dentro da formação médica, nas escolas de medicina, uma grande inclinação para você fazer uso de muita tecnologia, exames laboratoriais, exames de imagem e também uso de medicamentos de uma forma talvez um pouco mais precoce de que se a gente pudesse avaliar esses pacientes com um pouquinho mais de um olhar holístico, ou humanista, e com uma percepção de poder compreender um pouquinho antes de usar tecnologia, antes de usar um medicamento precoce, antes de pedir um exame laboratorial que muitas vezes a gente sabe que vai dar normal e tá pedindo porque tem uma orientação protocolar para isso”.

“Talvez os médicos cubanos possam trazer para nós um resgate do raciocínio clínico que as escolas de medicina e as profissões ao longo dos anos foram perdendo por conta de um adensamento tecnológico muito grande”.

“A gente tem alguns estudos que mostram que 75% dos médicos brasileiros recebem visitas de laboratórios, para medicamentos. São pessoas que visitam os consultórios médicos com frequência. Ao visitar estes consultórios existe muita informação dos laboratórios para estes profissionais. Alguns outros estudos mostram que até 41% dessas pessoas visitadas tem como referência essa visita da indústria para prescrever as medicações. Você tem uma grande influência da indústria farmacêutica dentro da prática médica no Brasil. Isso também se expande para o uso da tecnologia, como exames laboratoriais”.

“Você tem muitos professores de faculdade de medicina no Brasil que tem vínculo empregatício com indústrias farmacêuticas ou com indústrias que produzem tecnologia em saúde. Isso acaba influenciando seguramente a formação médica e o uso de tecnologia. Necessária, que bom que a gente tem essa tecnologia, mas muitas vezes precoce e diria até que de certa forma indiscriminada, sem uma boa indicação, sem um raciocínio clínico adequado”.

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28 Aug 12:00

Trocamos um médico cubano por TODOS OS MÉDICOS DE DEDO DE SILICONE, DO BATE PONTO E VAI EMBORA, DOS COXINHAS DE JALECO

by mariafro

A UJS representou o povo brasileiro no Aeroporto de Salvador

Os coxinhas de jaleco e seu corporativismo medonho representaram a elite escravocrata brasileira que insiste em sair da tumba do século XIX e negar cidadania ao povo brasileiro. No pasarán!

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Médicos cubanos, desculpem-nos as agressões da elite escravagista brasileira representada pelos jalecos de coxinha cearenses

24 de agosto: Mais Médicos, Mais Ética, Mais Informação, Mais humanização na medicina brasileira

“Dizer-se preocupados com a saúde da população é falácia, pois pior que ser atendido por um médico sem revalida é não ter médicos.”

Luís Fernando Tófoli “Como médico e professor de Medicina, declaro que a FENAM não me representa!”

Luís Fernando Tofoli: MIMIMI, COXINHAS E JALECOS

Luís Fernando Tófoli: “Sou médico e professor de Medicina e concordo com os vetos presidenciais à Lei do Ato Médico, em respeito ao SUS”

“Pagar R$ 10 mil para um médico trabalhar 40 horas é um absurdo” Mas pode chamar de corporativismo

Frente Nacional de Prefeitos comemora o lançamento do Programa #MaisMedicos

Uma análise sobre necessidade de médicos e condições de trabalho em prefeituras, com base em minha experiencia em saúde publica

Mais Médicos: A partir de 2015: Médicos terão de atuar dois anos no SUS para se formar

Conte-me como é ser reprovado no CREMESP e sair às ruas num ato promovido pelo CRESMESP pedindo Revalida para médicos estrangeiros

Paulo Moreira Leite e Izabelle Torres: O Brasil tem metade dos médicos que precisa

Estudantes que tentaram fraudar vestibular de medicina com 1500 de fiança se livram da prisão

Em quem acreditar? Nas patricinhas da medicina com nariz de palhaço da Paulista ou no presidente do sindicato médico do RS?

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Quando Serra e PSDB eram a favor da vinda de medicos cubanos

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Em Ferraz de Vasconcelos, SP médicos usam dedo de silicone pra fraudar registro de ponto

Senado cortou em 62% os royalties do petróleo para Educação e Saúde

Ministro da Saúde nega fala atribuída a ele no Terra e El Pais

Padilha: Médicos estrangeiros sim! Os cidadãos brasileiros não podem esperar

Fatos sobre a presença de médicos estrangeiros no Brasil desenhados até para Daniela Schwery entender

Mário Scheffer: A saúde é uma discussão política. A sociedade brasileira, por acaso, se orgulha do SUS?

Professor Hariovaldo criou uma página no Facebook

28 Aug 11:48

Imprensa estrangeira descobre os nossos #CoxinhasDeJaleco

by Victor Farinelli

Aos poucos, o espetáculo deprimente dos médicos brasileiros aos poucos vai sendo conhecido pelo mundo. E ainda é pouco. Ainda falta difundir as fotos e o vídeo do corredor polonês de Fortaleza. Nossos médicos são uma vergonha nacional, mas podem se tornar uma vergonha mundial.

Abaixo, um artigo publicado na imprensa espanhola no domingo, que, com muita paciência, contrasta o discurso dos médicos brasileiros com a verdade a respeito da medicina cubana.

 

OS “ESCRAVOS” CUBANOS DEIXAM OS MÉDICOS BRASILEIROS NERVOSOS

Neste fim de semana chegaram no Brasil os primeiros 400 médicos cubanos, de um total de 4 mil contratados para dar cobertura sanitária às regiões rurais e aos povoados mais pobres do país. As associações dos médicos se opõem à medida, mas o governo de Dilma considera o assunto prioritário e de interesse público e social.

FERNANDO RAVSBERG, direto de Havana, 26/08/2013 09:14 (atualizado em 26/08/2013 09:30), para Público.es

Setores da oposição acusam Brasilia e Havana de submeter os médicos a “trabalho escravo”, porque o governo cubano recebe uma parte do pagamento. De todas as formas, alguns voluntários asseguraram a Público.es que os salários serão maiores que em outras missões onde os médicos cubanos participam – algo em torno dos US$ 1,6 mil mensais, o que é muito dinheiro em um país onde a cesta básica familiar custa US$ 100.

Realmente, será difícil probar a acusação de “escravismo”, já que a contratação está certificada pela Organização Panamericana da Saúde, ligada à ONU, e lembrando também que Cuba, desde janeiro deste ano, permite aos seus médicos viajar ao exterior, imigrar com suas famílias e trabalhar onde eles quiserem.

O CFM (Conselho Federal de Medicina do Brasil) denuncia que a chegada dos doutores da ilha “expõe a saúde da população a situações de risco”. Entretanto, foram pouco menos de mil profissionais brasileiros que aceitaram trabalhar em alguns dos municípios rurais onde não há médicos. Parece um absurdo dizer que para os doentes dessas regiões é melhor viver sem cuidados sanitários que atendidos pelos jalecos cubanos.

Os médicos brasileiros alegam que a formação dos seus colegas da ilha é deficiente. As faculdades de medicina cubanas produzem médicos “todoterreno”, dispostos a atender as zonas más inóspitas, capazes de trabalhar com os mínimos recursos, preparados para organizar campanhas preventivas de saúde e muitos com experiência em diagnóstico clínico, imprescindível em lugares onde não se conta com equipamentos nem laboratórios.

O enfrentamento das associações de médicos da América Latina começou quando Cuba afetou seus interesses corporativos, com o envio das primeiras brigadas de saúde aos países da região. O conflito se agravou com a criação da ELAM (Escola Latino Americana de Medicina), instituição que forma gratuitamente milhares de jovens, que retornam às suas comunidades convertidos em médicos. A Operação Milagre, que restituiu a visão a milhares de pessoas na região sem cobrar nenhum centavo, foi um atentado aos bolsos dos oftamologistas, que cobravam até US$ 2 mil por uma operação de 15 minutos.

Em muitos países da região, as associações médicas colocam travas para convalidar os títulos das faculdades de medicina cubanas, mas, pouco a pouco, foram tendo que dar o braço a torcer. Em sua visita a Cuba, o presidente uruguaio Pepe Mujica comentou que em seu país a maioria dos diplomas cubanos são reconhecidos sem inconvenientes. Apenas algumas especialidades mantêm a resistência, justamente as que geram mais lucro aos médicos e às empresas do setor, e que custam mais caro aos pacientes, segundo relatou o próprio Mujica, com certa amargura.

Componente ideológico

O CFM e na oposição brasileira acusam Dilma de contratar colaboradores cubanos por razões ideológicas, mas o Ministério da Saúde do Brasil respondeu mostrando que a grande maioria dos médicos da ilha irá trabalhar em zonas do Norte e Nordeste do país, justamente aqueles lugares para onde não queriam ir nem os brasileiros nem os demais estrangeiros que foram selecionados para o programa, apesar da oferta de gordos salários mensais.

Na realidade, mais que um problema de simpatias políticas, a decisão do governo brasileiro nasce da falta de outra opção. Seu plano de extender a cobertura sanitária a todo o país requer 54.000 médicos. Esta semana, se incorporarão mais 244 professionai de Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai, que optaram por trabalhar em zonas próximas aos centros urbanos. Cuba é a única nação capaz de enviar, em pouco tempo, um contingente de milhares de médicos capazes de suprir as zonas mais necessitadas. Um luxo, que só é permitido a um país que conta com quase 80 mil diplomados em medicina, um por cada 150 habitantes, a melhor taxa do mundo.

26 Aug 18:37

Médicos cubanos vão ganhar mais que mineiros

by Miguel do Rosário

Acabo de ver isso no Viomundo. Os médicos cubanos não devem ganhar o integral de R$ 10 mil pago pelo governo federal porque o governo cubano fica com uma parte da verba. Eles devem ganhar em torno de R$ 4.000. Houve uma gritaria geral entre colunistas e corporações médicas, dizendo que os cubanos fariam trabalho “escravo”.

No entanto, o deputado estadual Rogério Correia (PT) divulgou no Twitter uma tabela pela qual se vê que os médicos cubanos, mesmo após os descontos devidos ao governo cubano, ainda assim ganharão mais que os médicos a serviço do governo do estado de Minas Gerais.

Imagino que médicos generalistas do setor público de outros estados também não devem ganhar muito além disso.

E agora, Cantanhede? Vai chamar os médicos mineiros de “escravos”?

Louras coxinhas de jaleco, protestanto contra Mais Médicos

 

 

26 Aug 18:35

Veja defendeu médicos cubanos em 1999!

by Miguel do Rosário

Da Veja e seus tentáculos de esgoto saem os ataques mais violentos contra a iniciativa do governo brasileiro de importar médicos cubanos.

Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista, ficou possesso. Já deve ter escrito uns 300 posts histéricos sobre o tema. Com patrocínio da Petrobrás e da prefeitura do Rio.

 

 

Nem sempre foi assim. Em outubro de 1999, sob FHC, quando o próprio José Serra foi a Cuba para acertar a importação de médicos daquela famigerada “ditadura”, a revista Veja publicou matéria favorável à presença de médicos cubanos no Brasil. O texto, ao abordar os problemas crônicos de saúde pública numa cidadezinha do Tocantins, fala que “o milagre veio de Cuba”.

 

25 Aug 23:44

Médicos cubanos não falam em dinheiro; a dor-de-barriga comunista

by Luiz Carlos Azenha

Médicos cubanos pedem respeito e dizem que vêm trabalhar para o povo brasileiro

24/08/2013 – 21h54

Daniel Lima
, Repórter da Agência Brasil

Brasília – O primeiro grupo dos 206 médicos cubanos que vão trabalhar no Brasil desembarcou hoje (24) à tarde no país. No Recife, ficaram 30 profissionais e 176 seguiram para Brasília, onde chegaram à noite. Ao desembarcar, Oscar González Martinez, graduado há 23 anos e especialista em atenção à família, disse que tinha grande expectativa em trabalhar com a população brasileira.

Martinez disse que veio ao Brasil por várias razões, entre elas, a oportunidade de trabalhar para o povo brasileiro. Sobre a polêmica em torno do pagamento dos salários, que serão feitos por meio do governo cubano e não diretamente aos profissionais, González disse que isso é o que menos importa, pois tem o emprego garantido em seu país e parte dos recursos irá para ajudar o seu povo.

“O mais importante é colaborar com os médicos brasileiros e ajudar na qualidade de vida do povo daqui. Também é importante a irmandade entre o povo cubano e o povo brasileiro que existe há muito tempo”, disse.

A médica Jaiceo Pereira, de 32 anos, lembrou, bem-humorada, que, apesar de ser a mais jovem do grupo, tem bastante experiência profissional e no início de sua formação já trabalhava com saúde da família. Ela pediu o apoio do povo brasileiro e respeito aos profissionais de seu país. “Queremos ajudar e dar saúde a todos aqueles que não têm acesso aos serviços médicos”, disse. “Queremos dar amor e queremos receber amor.” Já Alexander Del Toro destacou que veio para trabalhar junto e não competir.

Um grupo de 25 simpatizantes do socialismo e de Cuba esteve no Aeroporto Internacional de Brasília – Presidente Juscelino Kubitschek com cartazes. Durante a longa espera, que durou mais de duas horas, os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Cubano amigo, Brasil está contigo” e “Brasil, Cuba, América Central, a luta socialista é internacional”.

Em meio às manifestações de apoio, Ana Célia Bonfim, que se identificou como médica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal chegou a gritar entre os manifestantes que tudo não passava de uma “palhaçada”. “Profissional troca alguma coisa por bolsa. Isso não é coisa de profissional. Pelas condições que tem o médico cubano, claro que eles vão trocar isso pelas condições brasileiras. Mas isso é exploração de mão de obra”, disse.

O restante dos médicos cubanos desembarca amanhã (25) em Fortaleza, às 13h20, no Recife, às 16h, e em Salvador, às 18h, segundo o ministério. Ao todo, 644 médicos, incluindo os 400 cubanos, com diploma estrangeiro chegam ao Brasil até este domingo (25).  Na sexta-feira (23), começaram a chegar os médicos inscritos individualmente em oito capitais.

Os profissionais cubanos fazem parte do acordo entre o ministério com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para trazer, até o final do ano, 4 mil médicos cubanos. Eles vão atuar nas cidades que não atraírem profissionais inscritos individualmente no Programa Mais Médicos. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, rebateu as críticas das entidades médicas que questionam a formação médica dos profissionais cubanos.

Na segunda-feira (26), tantos os médicos inscritos individualmente (brasileiros e estrangeiros), quanto os 400 cubanos contratados via acordo, começam a participar do curso de preparação com aulas sobre saúde pública brasileira e língua portuguesa. Após a aprovação nesta etapa, eles irão para os municípios. Os médicos formados no país iniciam o atendimento à população no dia 2 de setembro. Já os com diploma estrangeiro começam a trabalhar no dia 16 de setembro.

O curso vai ter carga de 120 horas com aulas expositivas, oficinas, simulações de consultas e de casos complexos. Também serão feitas visitas técnicas aos serviços de saúde com o objetivo de aproximar o médico do ambiente de trabalho.

* Colaborou Ana Cristina Campos

PS do Viomundo: Quando os cubanos cumprirem horário integral em seus postos é que o bicho vai pegar; no vídeo abaixo, vejam o desprezo pelo Piauí…

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24 Aug 15:26

Forbes publica texto ridicularizando coxinhas anti-Lula

by Miguel do Rosário

Essa é daquelas para rir durante uns seis meses. A Forbes, revista dos ultra-bacanas, dos bebedores de champagnes de vinte mil dólares, dos jantares de trezentos mil euros, das amantes de três milhões de dólares, publicou um artigo ridicularizando os coxinhas que ainda acreditam que Lula é um bilionário.

Reproduzo abaixo texto do Renato Rovai, publicado em seu blog:

Revista Forbes: Lula e Lulinha não são bilionários e vice de Marina é o único político no ranking

Nesta sexta-feira, 23, a revista Forbes publicou um texto, assinado pelo colaborador Ricardo Geromel, que na sua apresentação “afirma que cobre bilionários e tudo relacionado ao Brasil”. Na nota, intitulada Is Lula, Brazil’s Former President, A Billionaire? (Lula, ex-presidente do Brasil, é um bilionário?), Geromel explica a metodologia da revista para elaborar o seu ranking de bilionários e aborda as insinuações de que Lula e seu filho, Lulinha, seriam bilionários.

“Depois de ter explicado a nossa metodologia, gostaria de destacar que, embora existam alguns bilionários que são políticos, Lula não é um deles. Caso contrário, ele teria, obviamente, que estar presente na lista anual da Forbes. Alguns exemplos de políticos que são bilionários: Sebastian Piñera, presidente do Chile, US$ 2,5 bilhões; e Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, US$ 27 bilhões”, escreveu Geromel.

“Depois de deixar o cargo de presidente do Brasil, Lula recebeu cerca de US $ 100.000 para um discurso de 50 minutos, da LG, em 2011. Ele também deu palestras para a Microsoft e para a Tetra Pak, e foi pago pelas maiores empresas de construção do Brasil, como a Odebrecht, para viajar por seis nações da África e dar palestras para os executivos locais. No entanto, não há evidência que sugere que Lula esteja perto de se tornar um bilionário”, esclarece o colaborador da Forbes. A assessoria o ex-presidente tem informado que parte desses recursos teriam sido destinados ao Instituto Lula e não a ele pessoa física.

Apesar dos insinuações que circulam em redes sociais de que Lulinha, filho de Lula, teria comprado um jato de US$ 50 milhões e que seria um dos donos do Grupo JBS-Friboi, o texto publicado pela Forbes afirma que nenhum dos rumores sobre a riqueza da família do ex-presidente são baseados em fatos reais.

Boatos que circulam nas redes sociais afirmam que Lulinha comprou um jato de US$ 50 milhões. Compra para bilionário não? Coisa que a Forbes afirma que o filho do ex-presidente não é

“O filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, apelidado de Lulinha, não se tornou (ainda) um bilionário também. Recentemente, Lula negou publicamente os rumores de que Lulinha é dono de um jato de US$ 50 milhões e que é um dos donos do JBS, o maior produtor mundial de carne bovina, por venda, com capital de mercado em US$ 10 bilhões. Antes que seu pai fosse eleito presidente do Brasil, Lulinha trabalhou como estagiário em um zoológico. Em 2004, um ano após a primeira eleição de Lula, Lulinha lançou a Gamecorp, empresa que produziu conteúdo para TV e internet. Em 2005, a Gamecorp recebeu mais de US$ 2,3 milhões da Telemar, hoje conhecida como Oi. Mesmo que o próprio Lula tenha afirmado que seu filho era o “Ronaldinho do mundo dos negócios”, a Gamecorp não foi muito bem e suas perdas já somaram mais de US$ 4 milhões. Tem havido uma série de rumores sobre a riqueza da família de Lula, mas nada baseado em fatos reais”, diz o texto.

Geromel ainda enfatiza que o único brasileiro presente na lista de bilionários da Forbes que lida com política “em tempo integral” é Guilherme Leal, que fez fortuna com a Natura, famosa empresa do setor de cosméticos. Leal foi candidato pelo PV à vice-presidência da República em 2010. Entretanto, antes de oficializar sua candidatura se desligou da Natura.

Por fim, o colaborador da Forbes comenta sobre a ajuda que o governo brasileiro tem dado a bilionários através do BNDES, como o empresário Eike Batista, e afirma que dicas sobre novos bilionários, políticos ou não, são sempre bem-vindas.

Só para constar, Forbes é uma revista liberal dos EUA.

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29 Jul 11:50

Paranoias democráticas

by Miguel do Rosário

Meu livro de cabeceira tem sido “A democracia e seus críticos”, obra-prima de Robert A.Dahl, talvez o maior cientista político vivo no mundo, ao menos nos estudos sobre democracia. A leitura de Dahl, e o alívio que ela me proporciona, me deu a ideia de defender o ensino de ciência política para crianças e adolescentes. Urgentemente.

Os brasileiros estão amadurecendo sem conhecer o seu sistema político. A ideia que têm da política vem exclusivamente da televisão e das redes sociais; cada vez mais destas últimas, onde a fonte primária da informação são os grandes portais pertencentes aos principais grupos de mídia.

Filosofia, sociologia, tudo isso é importante ensinar ao jovem. Mas ainda mais importante é fazer com que crianças e o adolescentes tenham noções básicas de como funciona o nosso sistema político. Eleições proporcionais, câmara de vereadores, função do Ministério Público. Nem eu, que leio todos os jornais diariamente, e estudo ciência política há anos, sei direito, imagina os adolescelentes?

E os jovens, com sua extraordinária capacidade para apreender o novo, seriam os professores de seus pais, avós e conhecidos.

As manifestações juvenis que assistimos no país sugerem que temos um enorme segmento da sociedade aspirando ser politizado e participar mais ativamente da vida política. Mas demonstraram igualmente que são portadores de todos os preconceitos vulgares que a mídia lhes incute diariamente.

Antes que apareçam reaças apavorados me acusando de pregar o ensino do comunismo no colégio, reitero que a minha ideia não é embutir na grade escolar qualquer tipo de proselitismo ideológico ou partidário, e sim ensinar como é, concretamente, o sistema político brasileiro. E ensinar o que é democracia, e porque vivemos num regime democrático.

Os jovens também deveriam ter aulas de mídia. A mídia hoje é importante demais na vida social para não ser objeto de estudo nas escolas.  Visto que a maior parte das informações nos chegam via mídia, aí incluindo as redes sociais, as crianças devem ser preparadas para serem críticas e desenvolverem um pensamento independente.

A leitura de Dahl tem me auxiliado, além disso, a consolidar a convicção de que a suposta crise da democracia representativa deriva, em boa parte, do abismo crescente entre um regime político democrático e o sistema corporativo de mídia vigente em todo mundo ocidental.

Talvez a democracia precise sofrer algum tipo de reformulação. Isso é normal, e se analisarmos a história das democracias, veremos que ela está constantemente se aprimorando. O processo de inclusão de enormes contigentes aos sistema de sufrágio, por exemplo, consolidou-se apenas nas últimas décadas, e em grande parte do mundo, a leniência com regimes totalitários só acabou há pouco tempo. Na América Latina, a democracia renasce na segunda metade da década de 80. No Oriente Médio, a ideia democrática ainda é um germe revolucionário, embora a luta por sua implementação tenha sido rapidamente instrumentalizada por interesses imperialistas.

A velha e boa ciência política nos ajuda a entender a recente onda de manifestações no Brasil, e a discuti-las sob o ângulo do princípio democrático. É interessante verificar ainda que em todas as análises esbarramos na questão da mídia. A democratização da mídia não é apenas a “mãe de todas as batalhas” no âmbito da prática política; também no universo exclusivamente acadêmico dos estudos democráticos ela aparece como um elemento cada vez mais central.

Segundo Dahl, a teoria democrática se sustenta em quatro grande eixos, ou critérios:

1) participação efetiva:

“Ao longo de todo o processo de tomada de decisões vinculativas, os cidadãos devem ter uma oportunidade adequada e igual de expressar suas preferências quanto ao resultado final. Devem ter oportunidades adequadas e iguais de colocar questões na agenda e de expressar seus motivos para endossar um resultado e não outro. Negar a qualquer cidadão as oportunidades adequadas para a participação efetiva significa que, por causa do fato de que suas preferências são desconhecidas ou incorretamente percebidas, elas não podem ser levadas em consideração. Mas não levar em igual consideração as preferências dos cidadãos quanto ao resultado final equivale a rejeitar o Princípio  da Igual Consideração dos Interesses”.

2) igualdade de voto no estágio decisivo:

“No estágio decisivo das decisões coletivas, cada cidadão deve ter assegurada uma oportunidade igual de expressar uma escolha que será contada como igual em peso à escolha expressa por qualquer outro cidadão. Na determinação de resultados no estágio decisivo, essas escolhas, e somente essas, deverão ser levadas em consideração”.

3) Compreensão esclarecida:

“Este critério implica que procedimentos alternativos para a tomada de decisões devem ser avaliados de acordo com as oportunidades que proporcionam aos cidadãos para a aquisição de uma compreensão dos meios e fins, dos interesses do cidadão e das consequências esperadas das políticas para seus próprios interesses e os de outrem. ”

4) Controle de agenda:

“A fim de entender mais claramente porque um quarto critério é necessário, suponhamos que Felipe da Macedônia, tendo derrotado os atenienses na Queroneia, prive a assembleia ateniense da autoridade de tomar quaisquer decisões quanto às políticas externa e militar (…) O controle não democrático sobre a agenda é, às vezes, bem mais sutil. Em alguns países, por exemplo, os líderes militares estão sob controle nominal dos civis eleitors que, no entanto, sabem que serão removidos do cargo ou submetidos a algo pior se não talharem suas decisões de acordo com os desejos dos militares.”

Em todos os critérios, vê-se o fantasma da mídia corporativa assombrando a democracia, mas sobretudo nos itens 1,3 e 4. Uma mídia não-democrática impede a sociedade de expressar, de forma igualitária, suas preferências (1º critério).  Impede uma compreensão esclarecida acerca dos nossos próprios interesses (3º critério). Encobre o controle da agenda imposto pelo poder econômico sobre o poder político (4º critério).

No caso da mídia brasileira, contudo, além de desempenhar uma função essencialmente não-democrática na atual conjuntura política, ela também protagoniza uma eterna campanha antinacional. Em primeiro lugar, pratica uma constante distorção do noticiário econômico, conferindo-lhe um viés mais negativo do que sugerem os dados. Dou-lhes um exemplo no jornal de hoje. No Globo, vê-se na primeira pagina a seguinte chamada:

Não vou me estender sobre um assunto que já denunciei inúmeras vezes. O título é mentiroso porque o desemprego nunca esteve tão baixo na história do Brasil. A geração líquida de empregos declina, naturalmente, na proporção em que declina também a mão-de-obra ociosa e disponível.

Um caso ainda mais grave, porém, seria uma possível aliança entre a mídia e interesses estrangeiros. Não é apenas uma visão paranóica, visto que o principal conglomerado de mídia do país tornou-se todo poderoso justamente em virtude das ajudas financeiras que recebeu dos Estados Unidos, durante um regime militar que ambos se esforçaram, num trabalho combinado, para implantar. A Globo tem dívida eterna com os EUA. Se há interesse dos EUA, portanto, de pintar negativamente o Brasil para que os fluxos de investimento que estão vindo para cá voltem a se deslocar para a terra dos “homens bravos”, o Globo estaria a nosso lado ou do lado dos americanos?

Espero que tolerem minha visão paranóica tendo em vista o meu amor por estatísticas, documentos, teorias clássicas, e tudo que pode ancorar um pensamento no chão, mas o momento nos pede um pouco mais de ousadia também nesse terreno. Eu tenho me perguntado a quem interessaria mostrar um país tomado quase que por uma guerra civil, com cenas de depredações generalizadas, bombas explodindo nas ruas, e um ódio sectário e descontrolado a governantes eleitos por enorme maioria da população?

Sei que a culpa não é dos manifestantes legítimos, da juventude que aspira por um país melhor. Tenho conversado com muita gente que apoia os protestos de rua, e entendo que a maioria da juventude tem uma pauta progressista. Mas há manipulação e há incentivo ao sectarismo. Além disso, a história nos mostra que ser progressista ou de esquerda não tem relação, necessariamente, com a defesa da democracia. Isso também me preocupa: a criação de uma aliança oculta entre uma direita astuta e endinheirada, cheia de conexões internacionais, e uma juventude progressista, inchada de aspirações utópicas e testosterona, mas ingênua, tendo como base comum posturas essencialmente antidemocráticas, voluntaristas e sectárias. As consequências dessa aliança é o que começa a ser mostrado nas CNNs do mundo: um país paralisado, com jovens – infiltrados ou não – lançando bombas na polícia, com polícia fazendo prisões arbitrárias, e uma quantidade crescente de pessoas nas redes sociais defendendo a violência indiscriminada como estratégia aceitável para “mudar o Brasil”.

Por isso, este blogueiro alerta a todo o Brasil, aos manifestantes, aos jovens, ao governo, e aos setores não-entreguistas da oposição: cuidado com quem andas! As chamadas para as manifestações do 7 de setembro, por exemplo, nos sites dos “anonymous”, estão repletas de fascistas, golpistas e reacionários, interessados exclusivamente na desestabilização do país. Temos que reagir!

 

27 Jul 23:19

GUEST POST: CLARISSES DE CARNE E OSSO

by noreply@blogger.com (lola aronovich)
No começo da semana, durante a visita do Papa ao Palácio Guanabara, um grupo fez protesto contra o preconceituoso "Kit Peregrino". No meio do beijaço, um casal de mulheres sem camisa se beijou. Imagine a fúria dos reaças diante desse sacrilégio! 
Por falar em sacrilégio, amanhã, não se esqueça, é a Marcha das Vadias do Rio, que vai reagir contra a onda conservadora, exacerbada ainda mais com a visita do Papa (e, só pra lembrar, dia 3/8 participarei da de João Pessoa).
A B. Henriques, uma carioca que só tem 20 aninhos, me enviou este texto brilhante, que orgulhosamente publico aqui.

A foto acima foi postada segunda à noite pelo jornal O Globo na sua edição online. Só um prazer sadomasoquista justifica abrir a página de comentários, mas fui em frente. Desde um “Combatendo intolerância com mais intolerância” até o típico slut-shaming (“Depois querem ser tratadas com respeito”). Pior é saber que essas ideias muitas vezes saem até de grupos que se identificam como progressistas, muitos deles inclusive simpatizantes do movimento LGBT.
Colocando de lado se você acha certo ou não o que a foto representa, é claro pra qualquer um que a quebra de paradigmas sociais dela está em três fatos: 1) o beijo entre duas pessoas do mesmo gênero, que vai contra o ideal heteronormativo que rege nossa sociedade; 
2) os torsos nus das duas moças, contrariando valores patriarcais, e 3) o fato de elas estarem em frente a uma igreja, instituição que, por tradição, é homofóbica e machista (valendo frisar que eu estou atribuindo isso à Igreja enquanto instituição e não como verdade absoluta entre todos os fiéis. Afinal, uma generalização simplória dessa estaria ignorando grupos importantíssimos como o Católicas Pelo Direito de Escolher ou os milhares de fiéis que claramente se opõem a esses valores que excluem grupos historicamente marginalizados).
Considerando então o beijo da foto de forma isolada, o que há de errado num beijo? Fosse um casal heterossexual, seria nada mais do que a expressão de duas pessoas que estão envolvidas de forma mais do que platônica (mesmo que a moça nunca tivesse consentido com o beijo, como esta do lado). Um beijo entre um casal heterossexual na mentalidade social é completamente normal; mais do que isso, é esperado que aconteça. 
Fosse um beijo entre dois homens homossexuais, no entanto, as reações seriam diversas, desde o ódio manifestado em forma de violência, colocando-os em risco, a opiniões como “Ah, respeito a escolha deles, mas precisa ficar se expondo?” (o que, ainda que alguns tentem negar, é homofobia sim). 
No caso da foto do Globo, há o adendo de que a relação entre duas mulheres é fetichizada, primariamente, por homens e, consequentemente, vista como algo inerentemente sexual, obsceno.
Pare e pense quantas vezes você já ouviu alguém dizer, pra se mostrar muito liberal e transgressor, ao defender os direitos LGBT: “Ah, deixa os caras darem o c* em paz!”. Ou então um homem dizer de forma lasciva: “Pô, adoro lésbica!”. Enquanto um ignora a presença de mulheres na comunidade gay, o outro objetifica a sexualidade de todo um grupo, desprovendo-a de toda a complexidade inerente a qualquer envolvimento romântico e reduzindo-o a uma fantasia existente para satisfazer o male gaze
E é exatamente essa mentalidade que permite alguns a encararem a relação entre duas mulheres como um produto pornográfico, levando-os a categorizar a foto como desnecessária. Considerando os valores sociais com que somos bombardeados, é muito tentador seguir essa linha de raciocínio e dizer que talvez elas tenham passado dos limites. No entanto, porque nós insistimos em encarar a sexualidade de um determinado grupo como pertencente à esfera pública? 
A sexualidade de qualquer pessoa diz respeito a ela e somente ela, é a forma como ela expressa sua individualidade, seu direito de envolver-se (de forma consensual) com quem ela sente-se atraída, e não com quem a sociedade julga ser apropriado. O ato que essas moças se fizeram não tem poder de impedir todo um outro grupo de manifestar suas individualidades, de marginalizá-los. O beijo delas não força ninguém a esconder sua identidade, não tem poder de ameaçar a integridade física de um indivíduo ou de tirar vidas. A homofobia tem. 
Logo, o que elas fizeram nunca poderá ser equiparado -– como a pessoa que disse “combatendo intolerância com mais intolerância” sugeriu -- às ações de instituições que insistem em não reconhecer relações homossexuais, pois a ação dessas duas meninas não tem poder de oprimir e deslegitimar o grupo que as oprime.
Mudando o foco do beijo da foto para a nudez parcial apresentada pelas meninas, caímos numa discussão semelhante à anterior. O porquê de muitos terem se sentido afrontados com a imagem das duas está intimamente ligado à ambivalência com que a sociedade encara a figura feminina. 
É impossível passar um dia sem ser lembrado que o corpo feminino é uma mercadoria farta e está à venda. Propagandas de cerveja não estariam completas sem uma modelo de seios fartos para completar o produto, e o que seria da indústria automobilística sem suas propagandas que equivalem o valor de uma mulher ao de um carro, ambos posse de um homem? 
Os exemplos são abundantes, mas um acontecimento de alguns dias atrás diz muito sobre essa questão. Na matéria, um escultor de areia “troca” o fio dental de suas esculturas por uma saia em respeito ao Papa que vem dar-lhes a benção, pois aparentemente nossa anatomia -– mesmo que seja na forma de bonecas de areia expostas na praia -– é uma ofensa tão grande a Vossa Santidade que supera a ofensa a todo um gênero de ter seu corpo transformado em coisa pública, um mero elemento da paisagem, que está a mercê de homens de vesti-los e despi-los como lhes convêm. 
Talvez rapazes que falam que lésbicas são sexy ou os que acreditam que cantada de rua é elogio possam não entender, mas objetificação não é respeito, é uma forma -– consciente ou não –- de exercer poder ao reafirmar o status quo, diminuindo a realidade de todo um gênero a um mero fantoche sexual. É reafirmar um sistema de valores que aliena a agência de uma mulher sobre seu corpo e apropria-se dele para o prazer visual de um terceiro.
Daí, quando esse brinquedo sexual resolve tomar de volta em suas mãos como ela quer dispor de seu próprio corpo -- como as duas meninas da foto fizeram e como tantas outras moças já fazem há anos na Marcha das Vadias -- a opinião pública as acusa de vulgares, afinal seus corpos -– que não são propriedade delas e sim uma comodidade -– nada mais são do que obscenos. 
Obsceno é viver com pessoas que não enxergam que encarar a sexualidade e corpo de uma mulher como ofensa pessoal é a mesma mentalidade que permite casos de “estupro correcional”. Obsceno é ser representada por um homem que prioriza a imagem de sua cidade no exterior em detrimento da saúde mental e física de moradoras de comunidades marginalizadas. Obsceno é ser representada por ainda outro homem que reduz a individualidade de uma mulher ao seu poder de reprodução e que quer tornar os direitos dela inferiores ao de um embrião
Obsceno é viver num país onde se fala em liberdade de expressão para defender um "humorista" que perpetua a cultura de estupro ao trivializar a experiência traumática de milhares de mulheres, enquanto duas jovens exercendo seu direito de manifestação são recebidas com escárnio. Obsceno é o mesmo sistema que desdenha e faz notícia de duas moças que mostram ter controle sobre seus corpos permitir jovens a serem aliciadas desde a adolescência a se desprivarem de seus corpos e identidades ao transformá-los em mercadoria para turista. 
Obsceno é o sexismo, não o corpo feminino. Meu corpo não é obsceno, meu corpo não é pro seu prazer ou pros seus olhos, meu corpo não é para o Papa abençoar ou a sociedade controlar. Meu corpo é pra ser respeitado e visto como autônomo. Esteja ele de saia ou fio dental.
Quando as duas moças da foto escolheram essa forma de protestar, elas estavam cientes da atenção que ia recair sobre elas. Sabiam que iam chocar, que seriam massivamente criticadas. Mas, desculpe-me te tirar da sua bolha, ser mulher numa sociedade patriarcal é isso. Emprestando desse texto, é ser, desde o despertar da sua maturidade sexual, vilificada como “puta” por exercer seu direito de dizer “sim” e taxada de “santa” por exercer seu direito de dizer “não”. 
Talvez essas moças, como tantas outras, sejam Clarisses de carne e osso que já estão cansadas de serem vilipendiadas, incompreendidas e descartadas e resolveram libertar-se de suas próprias gaiolas, desafiando valores arcaicos e seus defensores. Talvez elas já estejam cansadas de ter sua privacidade invadida diariamente por homofobia e machismo disfarçados de moralidade pela sociedade, e o beijo seja o grito delas de “Basta!”, e não uma ofensa. O ato apenas representa duas meninas reclamando sua sexualidade e seus corpos, o que de direito é delas, e não propriedade pública, como somos ensinadxs a acreditar. 
27 Jul 02:05

"Errado mesmo é amor menor." Região da Santa Ifigênia - São...



"Errado mesmo é amor menor." Região da Santa Ifigênia - São Paulo - SP