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09 Apr 18:47

erotemático

erotemático
(grego erotematikós, -ê, -ón, interrogativo)
adj. 1. Enunciado sob a forma interrogativa. 2. Que procede por perguntas (ex.: método erotemático).
09 Apr 18:47

mesomeria

mesomeria
(meso- + grego mêros, -oû, coxa + -ia)
s. f. Parte do corpo entre as coxas.
05 Oct 01:16

1

by noreply@blogger.com (Pedro Nunes)
Marcaram na Piauí, a distribuidora de bebidas. Na verdade, não marcaram nada. Ele ia até lá todos os dias. Se quisesse encontrá-lo, Bruno só precisava aparecer. Se chegava e não o encontrava já instalado, com sua garrafa de uísque e seu copinho, não esperava muito e ele logo dava as caras.
Bruno saiu do trabalho e, de terno e gravata, sol ainda alto graças ao horário de verão, foi para o boteco. Escolheu uma das mesas, em um canto mais afastado, próxima a uma árvore, sobre um espaço coberto com britas. Tirou o paletó azul escuro, pendurou no encosto da cadeira e pediu uma cerveja. No segundo copo, ele apareceu.
Chegou sem dizer nada, trajando, como de costume, calça jeans e camiseta. Vermelho escura, já desbotada e sem estampa. Trazia nas mãos uma jaqueta cinza e um livro. Puxou uma cadeira, sentou-se e pediu a garrafa dele. "Traz lá a minha garrafa". Veio o garçom com a garrafa de uísque, o copinho de shot.
- E aí, Genésio? Veio atrapalhar minha leitura? - É Bruno, cara. - Foda-se. Não perguntei seu nome.
Ficaram em silêncio. Ele encheu o copinho com uísque. Cheirou. Virou de uma vez e então recostou-se na cadeira de metal, bamba sobre as britas. Tirou dos bolsos o velho chaveiro de couro puído, com apenas três chaves, a carteira já deformada pelo uso, apesar do pouco volume, e colocou sobre o livro, que, por sua vez, repousava sobre a mesa. O casaco, então no colo, jogou na cadeira ao lado, vazia. Só se acomodava após o uísque. Cheio de manias. Percebendo que o amigo, macambúzio, não demonstrava qualquer desejo de encetar conversa, insistiu.
- O que houve agora?
Bruno fez um muxoxo, encolheu os ombros. Não precisou dizer nada para mostrar que estava aborrecido.
- Se começar a chorar, mando cortar tua cerveja. O sol nem se pôs ainda, tá cedo pra dar vexame de bêbado. - Não estou bêbado. - Então pára de fazer beicinho e me conta o caso. - Não houve nada. - Quando não há nada, você não aparece aqui. - É a Mariana. - Mas de novo? Sério, há quanto tempo mesmo vocês terminaram?
O outro, ligeiramente exasperado, corrigiu:
- Nós não terminamos. -Eu sei , usei o termo como licença poética, porque ALGUÉM nesse mundo, e infelizmente essa pessoa tem de ser eu, precisa determinar que esse lengalenga de vocês foi pro caralho. Já tem dois anos? - Já.
Ele olhou para o Bruno fixamente, apertando os olhos, como se tentasse ver qualquer coisa não dita, e de repente baixou a cabeça, colocou a mão na testa, comprimindo as sobrancelhas, claramente irritado.
- Você não acha que tá na hora de deixar isso pra lá?
Bruno deu um tapa na mesa, o corpo inclinado para a frente, quase gritando. - Claro que eu acho! - ENTÃO! - ele deu outro tapa - Você mandou e-mail pra ela de novo? - Mandei. - Putaque... falando o quê? - Que estou com saudades.
Ele encheu mais um copo de uísque, mas não bebeu. Chamou o garçom, pediu um churrasquinho. Bruno tomava a cerveja em silêncio, cabisbaixo.
- Ô Bruno. - Oi? - Você está familiarizado com o conceito de "dignidade"?
O amigo olhou para ele irritado, ele sorriu, mostrando bastante os dentes. Virou o uísque. Bruno acabou achando graça.
- Cara, por que diabos isso acontece? Minha vida transcorrendo numa boa. Dois anos que parei de ter contato com essa mulher. E aí, de repente, toca alguma música, alguém diz ou eu vejo algo que me lembra que ela existe. E durante semanas essa infeliz não me sai da cabeça. Acordo pensando nela, vou dormir pensando nela... - ...persegue a guria pela internet, vasculha seu e-mail atrás das fotos dela... - Não vasculho! - Você deletou, então? - ...ok, eu vasculho. Eu não sei o que fazer, de verdade. - Já te falei que isso é uma ques... O outro interrompeu. - ...é uma questão de orgulho, eu sei, mas saber disso não me ajuda! - Poderia ajudar, mas você está vendo a situação pelo ângulo errado. - Como assim? - Sabe qual o problema com esses seus e-mails? - Qual? - É que ela te responde. Ela está morando com outro sujeito no Canadá, mas ela te responde. E, quando ela e esse cara começaram esse esquema deles, ela sumiu e nunca mais te procurou, nunca mais foi atrás. Não fosse aquela tua noite de bebedeira e esse seu maldito smartphone, vocês continuariam sem se falar até hoje. Mas toda vez que você entra em contato... ela te responde. É isso que te alimenta. Eu sei que eu perguntei meio de sacanagem, há pouco, se você não tinha noção de dignidade, mas é basicamente nisso que acho que você precisa pensar. Essa mulher não quer saber de você, tanto que ela nunca toma a iniciativa nesses contatos.
Com um sorriso de superioridade, Bruno exclamou: - Ahá! - Essa ocasião não conta! Ela estava dopada, tinha tomado aquele benzodiazepínico. - Isso não quer dizer nada. - Isso tem tanto significado quanto o fato de que toda vez que você não toma seus remédios, torna a escrever pra ela. - E quem te disse que eu não estou tomando meus remédios? - Você. - Eu não disse isso! - Você está bebendo. Você não bebe quando toma seus remédios, ou então vai direto para a vodka. Se está tomando cerveja, não está tomando nada ou mudou de receita. Mas, se fosse o caso, você teria discutido isso com seu médico novo e não precisaria aparecer aqui para discutir comigo. - Cara, me fala a verdade...
Esse momento sempre chegava. Ele bufou e resmungou "Lá vem...".
- ...você é psicólogo, certo? - Não. - Se fosse, você me diria? - Talvez. Mas não vejo razão pra isso. Além do mais, já te falei que sou funcionário público. - Certo. De que órgão, mesmo? - E que diferença isso faz? É isso que a gente vem discutir aqui? O que eu faço, o que você faz? Alguma vez já te perguntei qual o seu trabalho? Se for para falar disso, vou sentar em outra mesa e ler meu livro, que eu ganho mais. - Não, mas...
Ele interrompeu.
- Não tem "mas", meu camarada. O problema dessa cidade, talvez desse país, se bobear desse mundo, mas certamente o problema desta cultura na qual estamos inseridos, e que me aventuro a dizer que abrange toda essa parte ocidental do planeta, é que você só é alguma coisa quando as pessoas sabem o que você faz. "Ele é o fulano, médico", "essa é a beltrana, jornalista", "aquele é o cicrano, feirante". E assim a gente mede as pessoas, e as encaixa em modelos de tratamento pré-prontos. Para o médico, deferência; com a jornalista, um papinho cultural sobre as novidades. Com o feirante a gente nem fala. Você acha que eu te respeito mais ou menos porque você chega aqui, coloca na mesa a chave do seu Citröen, seu telefonezinho da Apple, sua carteira da Fossil? Você acha que eu me sinto ameaçado ou intimidado de alguma forma porque você usa um terno de marca e eu uso uma calça jeans e uma camiseta compradas numa loja de departamentos? - Não, porra, não precisa vir com esse discurso de novo. - Não é discurso! Eu quero que você coloque na sua cabeça que isso não quer dizer nada e não significa nada, ok? Você vai me respeitar menos se eu disser que sou um gari do SLU? Ou vai me respeitar mais se eu tirar da minha carteira um crachá de funcionário do Senado? Se eu trabalho no Ministério da Fazenda ou na Secretaria de Saúde, isso me torna mais ou menos digno de atenção? Se sou da parte administrativa, ou da informática, ou só um almoxarife... isso não muda o fato de que você, com suas roupinhas bonitinhas e seu carro novo, não sabe como lidar com uma mulher que mora a sete mil e duzentos quilômetros, e eu, com toda essa incógnita ao meu redor, podendo ser até mesmo um mendigo, tenho muito mais bom-senso e equilíbrio psicológico.
Ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Porra, eu só estava conversando! - "Onde você trabalha?", "O que você faz?", "Onde você mora?", isso não é conversa, é papo de escravo corporativo! Não deixa esse crachá idiota pendurado no seu pescoço até agora dizer quem você é! Estamos num bar, e viemos aqui para falar de questões metafísicas, das angústias que o álcool soluciona, não soluciona ou causa. E da bunda da mulata na mesa ao lado. - Fantástica, por sinal! - Deveras. - Não vai me falar nem seu nome? - Pra quê? Pra você querer me comer e depois ficar mandando e-mails dizendo que está com saudade?
Bruno riu alto.
- Você é muito babaca.

Ele sorriu, assentindo.

- É, mas não sou eu que venho aqui azucrinar sua vida com minha versão particular dos Sofrimentos do Jovem Werther.