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11 Apr 17:08

{ Como tudo começou }

by Letícia

– Vou te contar do começo.

– Sabe que já ouvi essa história umas mil vezes.

– Impossível, eu nunca te contei mil vezes. Então, foi aqui que tudo começou.

Ajeitou o corpo na cadeira e sacudiu os ombros. Tirou o maço de cigarro do bolso da camisa. Fez gesto pro garçom. Não sabe se ele viu.

– Lembro a primeira vez que botei os olhos nela: uma deusa tomando café enquanto coçava a pontinha da orelha, concentrada sabe lá em quê. Eu sentado naquela mesa ali, onde tá aquela velha com o carrinho. De costas pra mim, eu só via a penugem loira da nuca e o esmalte vermelho das unhas. Um vestido azul tão convidativo que a gente não sabia se tirava ou se enrolava nele.

A voz chegava a encompridar as sílabas da lembrança. Tinha esperança que durasse mais tempo. Achou que o garçom não tinha visto seu sinal e chamou de novo. Ele continuou.

– No dia seguinte, eu não resisti e voltei no mesmo horário pra ver se encontrava com ela. Pimba. Na lata. Opa, Arnaldo! Vê dois chopes aí.

– Dois sucos de laranja, Arnaldo.

– Já sou bem grande pra escolher o que beber, hein. Ele toma o que quiser, eu quero um chope.

Tirou um cigarro do maço e revirou o papel procurando o isqueiro.

– Você sabe que não devia fumar.

– Eu sei mais coisa do que você imagina e, acredite, não faz a menor diferença. Então, voltei no outro dia e ela aqui. Sentei atrás dela de novo. Jurei que ia casar com aquela penugem loira. Mas não tive coragem de falar com ela. Você não sabe quanto tempo eu demorei…

– Sei, doze dias. Eu disse que já conheço essa história.

– … levou doze dias pra eu conseguir falar com ela. Doze. Dia que ela não aparecia era uma tortura, achava que tinha perdido a chance pra sempre. Você sabe o que eles dizem: a gente só se arrepende das coisas que não faz. Levantei do meu lugar, desejei um bom dia e pedi licença pra sentar com ela.

O garçom chegava com dois sucos de laranja. Recebeu um olhar de reprovação. O outro agradeceu sacudindo a cabeça de leve e avisou:

– Não adianta discutir.

– Nem isso eu posso mais. Nem beber, nem fumar, nem discutir.

Botou o cigarro na boca e tentou o isqueiro umas cinco vezes antes de praguejar. Finalmente acendeu, e ele retomou o discurso.

– Vou te dizer: sempre interpretei essa frase do jeito errado.

– Eu disse que não ia discutir.

– Não é disso que eu tou falando. “A gente só se arrepende das coisas que não faz.” Eu achava que era importante fazer tudo que desse na telha. Acho que é um problema de semântica. Como é que alguém se arrepende se não fez? Não fazer é sonho, é perfeição, é a penugem da nuca e a orelha sendo acariciada pelos dedos de esmalte vermelho.

– E lá vamos nós…

– Na verdade, a gente tá sempre se lamentando pelo que deu errado, isso sim. Não importa se feito ou não feito. Esse negócio de “mas eu tentei” só serve pra confortar cagada que a gente faz. Eu nunca devia ter ido falar com aquela mulher. Nunca. Maior burrada da minha vida. Só tenho um arrependimento nessa vida: não ter ficado sentado naquele dia.

– Acho que tá bom da gente ir embora. Arnaldô, amanhã a gente volta!

Deixou o dinheiro em cima da mesa e fez sinal de positivo pro garçom. Os dois já levantavam.

– Se eu nunca tivesse falado com aquela mulher, sonhava com ela até hoje. A penugem loira, o esmalte vermelho e o vestido azul.

– Pai, você casou com ela.

– Por isso mesmo. Se nada disso tivesse acontecido, ela ia ser o grande amor da minha vida.

03 Apr 20:01

{ Desabafando }

by Letícia

“Não tenho dúvidas de que ‘garotas direitas’ correm menos risco de abuso sexual.” – Rodrigo Constantino, na segunda revista semanal mais lida do mundo (sim, do mundo)

Deixa eu te contar uma história. Eu tinha 11 ou 12 anos. Tinha cabelo curto. Não usava maquiagem. Eu mal tinha menstruado pela primeira vez. Usava uma camiseta larga e comprida e uma legging, como toda boa adolescente que odeia seu corpo.

Tinha ido ver uma partida de basquete dos meninos da minha turma da escola nos Jogos Estudantis ou algo que o valha. Eu morava bem perto do ginásio de esportes, numa cidade com uns 100 mil habitantes. Morava num condomínio fechado e, pra chegar até ele, eu só precisava cruzar um terreno aberto e andar um quarteirão.

E foi aí que, com 11 ou 12 anos, passaram por mim dois meninos um tanto mais velhos que eu que me cercaram e me passaram a mão em todos os lugares. Todos. Deve ter durado uns 30 segundos, porque eu me debati e corri e eles não me seguraram, mas pareceu muito mais. Muito mais. Eu nunca tive tanto medo. Eu nunca me senti tão suja. Nunca.

Entrei em casa, tomei um daqueles banhos em que a gente esfrega tudo como se tivesse passado o dia pelado numa piscina de piche. Eu chorei. Eu não contei pra ninguém. Eu guardei isso lá num dos cantos escuros da minha cabeça porque, de verdade, eu não queria ter que lidar com isso.

Então surgiu a grande movimentação pelo “Chega de Fiu-Fiu”, que eu já falei aqui. E tem gente defendendo o direito de elogiar moças na rua. Quando eu disse que me sentia intimidada – talvez em especial por causa desse episódio –, eu escutei que eu não posso desconfiar de todo homem que passa por mim. Mas agora surge a pesquisa do IPEA sobre o estupro e tem gente (seriam os mesmos?) dizendo que eu tenho que saber que há muito perigo no mundo e eu não posso sair na rua usando decote.

Olha, tá difícil entender vocês. Eu poderia pensar “beleza, vou me enfeiar bastante e ninguém vai me encher o saco” (isso, claro, se eu acreditar na possibilidade que a maior parte das mulheres estupradas são lindas, gostosas e/ou arrumadas). Mas então essas mesmas pessoas vão dizer que eu tenho que me cuidar e me amar e ficar bonita, porque eu sou mulher e tenho que ter vaidade.

Eu sei que pode parecer difícil pra alguns de vocês entenderem, mas uma mulher não é um rolex que você exibe quando quer e guarda na caixinha quando não quer. Mulheres são mais do que isso – tem gente até que defende que elas têm tanto direito quanto os homens. Que coisa.

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Moça direita corre menos risco de abuso sexual: tenho uma amiga que quase foi estuprada pelo marido.

Moça direita corre menos risco de abuso sexual: um cara contando que, das últimas cinco vezes que pegou ônibus, viu dois casos de homens que propositadamente se esfregaram em mulheres. Dá-lhe gente sensualizando no transporte público, hein.

Moça direita corre menos risco de abuso sexual: mas isso não é culpabilizar a vítima, é só uma constatação sobre o mundo real. “Não estamos numa Suíça”, dizem. Se continuarmos a pensar assim, nunca estaremos.

27 Mar 12:24

{ O homem sem mulher }

by Letícia

No apartamento 507, ele levantou da cama com o barulho do pressurizador de água do apartamento ao lado. Cinco e quarenta, esmurrou a parede. Nada. É hoje que mata esse cara. Abre a gaveta do criado-mudo, pega a arma, vai pro corredor do prédio. O vizinho cantarola. Ele toca a campainha.

– Cinco e quarenta não é hora de ninguém ser feliz, meu chapa.

E atira.

Acordou num pulo, o pressurizador de água do vizinho ainda ligado. A cabeça latejava. Precisava tomar jeito, mas não conseguia nem arrumar a gaveta de cuecas – que dirá botar ordem na vida. Era assim desde que ela foi embora levando os discos do Odair José. “Felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”.

Não tinha roupa limpa pra usar. Duvidava que no apartamento ao lado o engomadinho não tivesse uma camisa passada e cheirosa. Ou aspirina na caixa de remédio. Ele olhava a sala parecendo um armário, tamanha a quantidade de roupa: nunca ia achar a maldita aspirina. Coisa de mulher isso de juntar tudo que diz respeito num lugar só. Se você quiser saber se um homem tem uma mulher em casa, procure uma caixa de remédios.

Ele via o epocler no braço do sofá e o eno junto aos copos. Será que as aspirinas acabaram e ele não sabia? A vida é isso mesmo, lidar com o que você achava que tinha e não tem mais. Um eterno tomar ônibus pro sentido errado.

Eram felizes, ele achava. Ela o largou por causa de dinheiro. Não é que não quisesse lhe dar mais, só não podia. Suspirou e rumou pro banheiro. Sentado, olhava o mofo acenando no azulejo à sua frente. Não tem mais papel. Como se isso não o abalasse, foi pra debaixo do chuveiro.

Abriu a torneira e logo sentiu cheiro de fumaça. A água quente agora fria. Parece com ele. Precisava encontrar uma mulher. Ia resolver isso hoje. Sozinho não ficava.

O celular apitou. Ele sempre esperava que fosse um sinal dela pedindo pra voltar, mas era mensagem avisando uma data comemorativa. Insatisfeito com a existência de 52 segundas-feiras no calendário, alguém ainda decidiu decretar 13 de novembro dia do mau-humor. Avisar pra que? Já não andava ranzinza o bastante?

Ele queria trabalhar como inventor de datas comemorativas. Ainda ia criar o dia da aspirina. Enxaqueca desgraçada desde que ela se foi. Vestiu a roupa suja mesmo. Chegou ao corredor e olhou a porta do vizinho. No apartamento 508, o cheiro de café passado invadindo o lugar todo.

Vida em condomínio é assim: não dá pra ser infeliz em paz. Escreveu um bilhetinho e passou por debaixo da porta: “entre no clima da data e seja mais um amargurado. uma merda de dia do mau humor pra você”. Vai que. Mas não, a mulherzinha, o cafezinho, o vizinho cantarolandinho às cinco e quarenta da manhãzinha. Ele também ia arrumar uma mulher, ia ver.
Chegou ao trabalho e já pegou o classificado e o telefone.

– Ahm, oi. Quanto você cobra? Aham. E o que tá incluído nesse preço? Sei. Isso também? Uau. Tá bom pra mim. Anota o endereço.

Passou o dia ansioso. Derrubou café na roupa. Prendeu o dedo na porta do carro. Xingou a prima dela em Cotia, que foi quem lhe botou na cabeça loira a ideia de ir embora. Chegou em casa às 18h30. Cinco minutos depois, a campainha.

Ela fez tudo que ele esperava. Dona Judite lava, passa, cozinha, guarda as cuecas arrumadinhas, vai ao mercado, desencarde o banheiro e chama o eletricista. De quebra, ainda administra uma caixinha de remédio na gaveta da cozinha.

Felicidade existe sim, Odair José.

20 Mar 19:09

{ Não falemos disso }

by Letícia

Tudo começou com esse cara. Eu tinha estacionado ali perto do Incra, em Curitiba, pra entregar uns papéis. Ele me disse pra só escutar.

Eu vim aqui porque me prometeram trabalho. Mas eu cheguei e não consigo encontrar a pessoa. Eu sou de Andirá (interior do Paraná) e consegui com a assistente social uma passagem pra voltar, mas eu estou sem comer há três dias. Eu tentei o máximo que eu pude, eu tou com vergonha, mas eu não consigo: você pode comprar um almoço pra mim?

Andirá. A cidade que eu nasci. Se o cara inventou essa história, escolheu o lugar muito bem. Eu olhava pra ele, um homem tão alto, parecendo um menino de cinco anos pedindo uma bola. Eu tinha pressa e entreguei uma nota de dez reais – ele disse que conseguia almoçar com cinco. Eu respondi que então ele almoçasse e jantasse. Dos meus arrependimentos na vida, ter confiado na minha memória quando ele me disse onde morava. Quando fui pedir que uma prima minha ajudasse, já não sabia mais como indicar. Hoje já não lembro nem o nome.

Acho que foi depois disso que eu dei de querer de saber da pessoa por trás do pedido. Ainda que eu não ajude, eu tento escutar. Tentar falar e não ser ouvido é aflitivo. Não conseguir nem pedir ajuda deve ser infinitamente mais.

A gente aprende, em jornalismo, que ter um personagem dramatiza a história. Tá lá a tragédia, vamos contar a história do moço que perdeu tudo. Vamos contar que ele tem dois empregos e cinco filhos e agora não tem comida pra comer nem cama pra dormir. É impossível, ali, assistindo ao noticiário, não pensar “podia ser eu”. É difícil não tentar se colocar no lugar do outro. É tática manjada, todo mundo faz.

Mas não falemos deles.

Do catador de papelão que não tem como comprar leite em pó pro filho, do outro cara que faz panfletagem o dia inteiro durante toda a semana e ainda assim não ganha o suficiente pra duas pessoas comerem. Eu soube de um senhor que tinha a mesma história do primeiro – veio pro Rio a trabalho e desencontrou da pessoa. Ele se ofereceu pra qualquer conserto, pintura ou trabalho como pagamento. Mas não.

Não falemos dos seis ou oito meninos que estavam no mercado no final do ano, pedindo biscoito. Falemos que é preciso chamar a polícia, falemos que alguém arrancou o colar de uma senhora na rua hoje cedo, falemos que é motivo pra espancar um desses. Não falemos dos funcionários que fecharam os caixas e dos clientes que se negaram a sair enquanto eles estivessem na porta.

Só por um minuto, imagine. Você entra em um lugar, os caixas fecham, todo mundo faz cara de pânico. Você é seguido, convidado a se retirar e escuta as pessoas dizendo que você não pode estar ali. Se isso não é violência, então eu não sei o que mais pode ser. Mas, agora que já se passou um minuto, não falemos disso.

Naquele dia, eu prometi dois pacotes de bolacha pros meninos e pedi pra que esperassem do lado de fora. Eu não conseguia pagar porque as senhoras estavam decididas a não sair enquanto eles estivessem ali. Os meninos não iam embora porque esperavam a bolacha que eu ia pagar. Enfim, resolvi a balbúrdia entregando os biscoitos, deixando eles irem e pagando depois. Eles saíram gritando.

Eles gritavam realmente alto. Tão alto que não havia como deixar de ouvir. Eles gritavam “obrigado, tiááááá”. Meninos malvados. Mas não falemos disso. Falemos que eles devem voltar pro morro, onde é o lugar deles.

Naquele dia eu chorei. E no outro e no outro. Eu não consigo imaginar que infância é essa. Eles tinham entre seis e doze anos, arrisco. “Sua mãe devia comprar seu biscoito!”, uma senhorinha disse a um deles, recebendo um sonoro “vai tomar no cu”. Sim, falemos disso.

Eu queria saber dele. Eu queria saber se ele tem mãe.

Ele tinha uns sete anos e já tinha cara de ladrão.

___

Você sabe como é: todo mundo tem cara de alguma coisa. O gordo tem cara de preguiçoso. A mulher tem cara de motorista ruim – a de calça comprida, claro; a de saia curta tem cara de outra coisa mesmo. O gay tem cara de gay – opa, não pode isso não. O negro tem cara de pobre. O pobre tem cara de ladrão.

Todo mundo tem cara de alguma coisa. Menos você, branco, homem, hetero, com dinheiro no banco ou com uma ou outra conta pra pagar. Você pode tudo. Em todo lugar. Divirta-se.

Mas, ainda que não tenha cara de nada, não seja um insensível.

20 Mar 19:09

{ Hoje não }

by Letícia

Olhava todo dia pra janela do vizinho. Aqueles dois tão felizes que dançavam juntos no meio da sala de vez em quando. Você deve saber quanto isso é difícil. Tirar pra dançar assim, sem música, alguém com quem você casou há oito anos. Eles riam usando pijamas, que é o traje mais maligno que alguém pode usar: de manhã, atormentando a falta de esperança do dia; à noite, carregando nos bolsos a folhinha de mais um dia insosso no calendário.

Os vizinhos eram felizes usando pijamas.

Nós não. Nós fomos soterrados pelas contas, pelos filhos, pelas noites em claro e até pelas noites felizes. Aquelas que continuavam prometendo uma felicidade que nunca desfez as malas, intimidada com a calcinha no boxe do banheiro. Nós tentamos nos levantar. Inventamos viagens, fingimos noitadas e nos arrastamos até aqui, de onde eu olho a janela do vizinho.

Nunca foi amor. Amor é o que enfrenta essa lerdeza toda de gabinete público e ainda tira o outro pra dançar no meio da sala. Eles nunca.

Sentiu falta das asas. De quando o telefone tocava de madrugada e ela ia se encontrar com ele. Queria os cigarros. Acordar sem saber onde. Quando a gente se apalpa tentando se descobrir vestido e está nu. Quando a gente olha pro lado, encontra o cabelo preto e entende tudo. Sorri, pra sair correndo em seguida, esquecendo um livro e arranjando uma desculpa pra voltar.

Fechou a janela. Não precisava, além de todo o resto, ver o vizinho erguer seus cabelos e beijar-lhe a nuca. Já não lembrava a cor da pele dela. Fez força pra tirar o gosto da boca. O cheiro desapareceu naturalmente, caminhando embora de braços dados com as tiradas engraçadas e os sorrisos abertos.

Sonhava com aqueles dias.

Queria os cabelos compridos que passavam por ele. A tempestade, porque liberdade não é feita de garoa. Como quando você reencontra o porre de anos atrás. Liberdade é beber como se não houvesse ressaca. Não há nada nesse mundo que não passe diante de umas aspirinas e umas idas ao banheiro.

Sentou na cama e amarrou os sapatos. Não se pode dirigir de chinelos. Que se dane. Desamarrou os sapatos e enfiou o dedão entre as tiras da sandália. O pé, esse oprimido. Sentiu compaixão. Venha que te levo pra um drinque no bar. Eu pago.

Entrou no carro, a janta na mesa. Às favas a carne magra, a salada de agrião e o arroz integral. Cento e noventa e oito dias de dieta e a promessa nunca cumprida de um coração melhor. Hoje não.

Hoje ia embora e não voltava mais.

Veja uma porção de queijo forte, meu bem. Não se preocupe, se esse casamento ainda não fez esse coração parar de bater, não há de ser o colesterol. Hoje não. Hesitou em telefonar, o fundo do copo lhe mandou ser macho. Não lembrava a data de nascimento da filha, mas ainda guardava o número daquela mulher de tanto tempo atrás sem precisar de anotação. Ligou.

Continuavam os mesmos. Dez minutos de completa inabilidade social e constrangimento indicavam que era um daqueles porres como os de anos atrás. Não sabiam conviver vestidos. Eles não sabiam nada um do outro.

Bebeu como se não houvesse quarta-feira, nem horário de expediente. E então os risos, as asas, os cigarros, os cheiros e os cabelos. O jeito que lhe lambia o espaço entre a boca e o nariz, limpando o bigodinho de suor. O resto não lembrava.

A mulher nua na porta. Não lembrava que ser livre era difícil e a primeira vez é sempre a pior. Passou na farmácia ainda tonto e comprou umas aspirinas.

Voltou pra casa no amanhã. Que se danem os vizinhos.

15 Dec 21:00

{ Há algo de mal }

by Letícia

Então tem essa história do Chega de Fiu-Fiu. E eu vejo muitas muitas mulheres replicando o assunto, compartilhando, e os homens insistindo em dizer que não há nada de mal. Há algo de mal. Preste atenção: é isso que 83% de nós, mulheres, queremos dizer.

Nós estamos contando a vocês que não queremos ser abordadas na rua com linda-gostosa-fiu-fiu-princesa. Estamos bradando a quatro ventos que achamos um absurdo vocês se esfregarem na nossa bunda sem nosso consentimento. Estamos gritando que não queremos ser seguidas por quadras. Estamos dizendo que não queremos pensar na roupa que vamos usar pra não sermos estupradas.

Não adianta você dizer que é um elogio. Dizer que quem canta é só um babaca – e, coitados, os babacas merecem o céu, por certo – também não resolve. Defender que um babaca é bem diferente de um estuprador também não ajuda, visto que eles não costumam usar crachás. Sabe a história do vidro aberto no sinal, à noite? Ninguém proíbe, mas todo mundo sabe que não deve (ainda que não aconteça nada em grande parte das vezes). Isso é ser mulher. Todo o tempo. Cansa, sabe.

Mas esse homem que diz que não há nada de mal aprendeu que “não” quer dizer “sim”. A moça está aqui gritando que não, mas é tudo fingimento pro papel de boazinha. Esse cara que agarra à força, ainda que “só” roube um beijo, é “só” um babaca. Porque minha boca não deve ter valor nenhum nesse mundo. Meu corpo é só mais um. Nem encostou no peito, é só um babaca. Pra que eu reclame tem que, pelo menos, ter tirado a minha calcinha.

Não serve de nada levar a discussão a tópicos como então-querem-proibir-a-cantada. Queridos, não há projeto de lei no Senado pra isso. Não diga que mandar o sujeito à merda resolve, quando 82% das mulheres que responderam a pesquisa disseram que já foram agarradas à força na balada. Ou você acha que elas não tentaram isso? Faça o exercício: pergunte a suas amigas se elas se sentem acuadas quando ouvem essas coisas tão bonitas enquanto andam na rua.

Ah, cantada, essa coisa inofensiva que só é feita quando não há nenhum outro homem por perto. E que você não gosta que façam com sua mãe ou sua irmã. Mas não há nada de mal. E por que é que vocês querem tanto sair na rua dizendo quem é bonita? Existe um cargo de crítico de beleza, com salário e carteira assinada, que vocês não querem perder? Se você achou uma mulher linda e só quer comunicar: não precisa. Ela não vai ficar triste por isso. Sonhe com a moça à noite, mas não precisa dizer pra ela. Ninguém tá aqui pra enfeitar o mundo (ainda que o faça).

Quem bate nunca sabe o quanto doeu. Pergunte a quem apanha.
Ouça a resposta.

__

Reclamei brevemente sobre esse assunto aqui, em 2011.

05 Jul 02:08

Conversinha

by Letícia

Aí tá estreando um seriado inspirado nos personagens de Psicose.

- Olha, o menino do Toast (filme que a gente viu semana passada).
- É, Toast com Psicose. Já pensou uma torrada andando com uma faca na mão?
- Aí ela entra na banheira… e se passa manteiga.
- Não, entra na banheira e se passa geleia, pra fazer a cena clássica.

E é isso, meus queridos, que os pais fazem enquanto os filhos dormem.
(ou não)

01 Jul 15:31

Vai que é tua, Malaquias!

by Letícia

Já reparou que quando a pessoa diz “eu não queria ser chato”, ela provavelmente sabe que vai ser? O cidadão podia fingir que não pensou nada, ir até à esquina comprar uma coxinha e enfiar a ideia numa das tantas gavetinhas dentro da cabeça. Mas não. Chato.

Dito isso, começo.

Eu não queria ser chata, mas eu tenho toda uma dificuldade em entender o amor e o sofrimento profundos do torcedor de futebol. Aquele que chora copiosamente quando o time ganha, perde, manda um jogador pra Europa. Na minha cabeça, o jogador de futebol só está fazendo o trabalho dele. E, bem, isso não é mais que obrigação dele.

___

Imagino o carteiro Malaquias, camisa amarela e short azul, saindo do furgão. A multidão ensandecida o persegue aos gritos: “Malaquias! Malaquias!”. Ele corre com seu pacotinho do Sedex embaixo do braço e toca a campainha. A galera viiiiiiibra!

“Atende! Atende! Atende!”. Dona Josete vai até ao portão ouvindo o “ôôô” do público a cada passo. Malaquias estende a encomenda e Dona Josete agaaaaaarra! O público enlouquece. Alguns roem as unhas, outros preferem nem olhar. O carteiro entrega a prancheta e Dona Josete assiiiiiiiiiiina o aviso de recebimento. Muitos gritos: o pacotinho está oficialmente entregue!

Malaquias se vira para voltar ao furgão. É impedido pela massa em polvorosa, comemorando o resultado. A imprensa surge.

– E então, Malaquias, como foi realizar a milésima oitava entrega de Sedex do ano?

– Ah, eu preciso agradecer primeiramente a Deus, depois ao meu supervisor, que sempre me ajudou quando eu precisava. Esse é um resultado da equipe toda. E toda essa galera aqui…

* aplausos, gritos, manifestações de amor e pedidos de casamento *

– … essa galera aqui que veio torcer por mim me deu mais forças.

Ele entra acenando e o furgão vai embora, enquanto a multidão continua comemorando.

___

Eu bem queria que fosse diferente, mas quando eu vejo comemorações como as de ontem, eu só consigo pensar no carteiro. Vai, Malaquias!

 

16 May 00:11

Que Beleza! (Natural)

by anna v.






E eis que depois da minha conclamação às mulheres para cortar os cabelos, eu mesma passei quase um ano sem cortar os meus. Contradições à parte, o que houve foi que o salão que eu frequentava fechou e a cabeleireira não migrou para nenhum outro, de modos que fiquei órfã capilar.


Mas na semana passada não deu mais para aguentar aquele cabelo temperamental, que só funcionava quando queria, e estava dando trabalho demais. Então resolvi arriscar e fui ao Beleza Natural, uma rede de salões voltada para cabelos crespos e cacheados, que existe há alguns anos e eu sempre tive curiosidade de conhecer, ainda mais depois que fiquei conhecendo a inspiradora história de empreendedorismo por trás da marca.


Estive num sábado na unidade Ipanema, e fiquei impressionada com o tamanho - pela fachada não se imagina o quanto é grande. Lá dentro, lotação máxima (há inclusive caravanas vindas de outros estados!), e mulheres em vários estágios do tratamento do cabelo espalhadas por salas e ambientes diversos. Vários aparelhos de TV reproduziam vídeos institucionais sobre o tratamento e corte dos cabelos cacheados, e para onde se olhasse havia informações sobre como cuidar dos seus cachos, e fotos de lindos cabelos crespos e cacheados -- mas todas as modelos com cara de brasileiras normais, bem entendido.



Fiquei deslumbrada como esse novo mundo. Até então, acho que nunca tinha percebido quão oprimida eu me sentia nos salões ditos normais. Não só pela onipresença das escovas e dos cabelos com reflexo e outros processos de loureamento, não só porque todo mundo quer alisar o seu cabelo sempre, mas também pela onipresença das velhas. Essa representação de alteridade radical me incomodava e eu nem sabia. Eu não tinha me dado conta até então, mas minha vida em salão de cabeleireiro foi sempre rodeada por essas senhoras. Sabe o tipo? Senhorinha que vai ao salão, sei lá, toda semana, cortar um pouco, pintar aqui e ali, fazer um penteado bacana para o almoço de sábado e passar laquê? Sempre assumi a presença dessas velhinhas como algo natural, mas de repente, no Beleza Natural, elas não estavam mais. As pessoas ali pareciam todas muito mais reais.


Além disso, fiquei maravilhada com as muitas funcionárias. Quase todas negras e todas, sem exceção, com seus cabelos soltos e lindamente bem cuidados - fossem curtos, médios ou longos. Um orgulho cacheado que deu o maior gosto de ver. Tem também uma lojinha que vende diversos produtos para cabelo da marca Beleza Natural. Eu comprei o creme para pentear infantil, porque meus fios são muito finos (dica da moça que pintou meu cabelo), e estou achando muito bom.

Longa vida às iniciativas empreendedoras, e aos cachos da mulher brasileira!

Todas as fotos foram tiradas do book de cortes do Beleza - com 30 opções.
16 Apr 21:19

http://naosenteaomeulado.blogspot.com/2013/04/eu-preciso-de-bem-poucas-coisas-na.html

by raquel.
eu preciso de bem poucas coisas, na verdade.

mas finjo para mim mesma que preciso de muitas, porque isso me dá uma desculpa para não focar em nenhuma.
13 Apr 01:29

is feminism the radical notion that women are people?

by Vanessa Negrão
menina, façavor de se dar ao respeito!


 Eu sei que tem gente que vai questionar o timing desse post, mas considerando que neste exato momento em que eu edito esta frase aqui em cima faz um mês que eu tô escrevendo, não fiquem se preocupando que não é recado pra ninguém.

Temos vivido um tempo em que todo mundo é tão extremista com relação às coisas que acredita que o convívio social presencial ou pela internet está ficando impossível.


Eu nunca dei muita bola pra feminismo. Cresci numa casa onde cada um lavava sua roupa, o pai sabe cozinhar, a mãe sabe arrumar chuveiro, todo mundo faz um pouquinho aqui, um pouquinho ali e todo mundo faz parte das tarefas de manter a casa funcionando.


Nunca fui proibida de vestir cor nenhuma, de ter cabelo de qualquer tamanho, de brincar de carrinho, de ter bicicleta azul, de ter um GI Joe, uma Barbie, vídeo game, mini game, brinquedos de cozinhar, kit de chave de fenda, esquadros, bola, cabaninha da Branca de Neve, ursinho, skate. Tenho um irmão que pediu uma blusa cor de rosa pra minha mãe e ela costurou do jeito que ele queria. E ele podia usar na rua e na escola. E nunca se importou com a opinião dos amiguinhos. Também teve cabelo comprido, tingido, pintou o olho de lápis preto por anos, lava as próprias roupas e sabe cozinhar. Tão entendendo o processo? Eu cresci numa casa em que as pessoas são respeitadas nas suas vontades e iguais nas obrigações.


Ninguém nunca diz “pai, tem que trocar o gás”. As meninas vão lá e trocam. Ninguém diz “mãe, tem que lavar a louça”. Os meninos vão lá e lavam. Todo mundo na minha família sabe onde fica o sabão e o martelo.


Mas a gente não vive na bolha do lar e um dia eu estava entre pessoas que eu considerava modernas. Até que alguém veio me tirar do repouso de uma doença séria - que vou omitir pra preservar minha paz e ninguém se reconhecer - pra reclamar que eu estava deitada enquanto um homem lavava a louça e todo mundo sabia que era uma HUMILHAÇÃO um homem ter que se sujeitar a isso.


Cê jura?


Nesse mesmo ano, pela primeira vez na vida, eu comprei roupas pra mim. Até ali minha mãe comprava roupas e a gente ia usando, todas as meninas juntas. Sei lá se era preguiça, pobreza, falta de senso fashion. O caso é que ela comprava as roupas todas e a gente usava (eu, ela, minha irmã) sem muito critério. Foi quando eu ganhei a incrível fortuna de 300 dinheiros pra gastar como quisesse, desde que fosse em roupas e foi a primeira vez que eu pude pensar a respeito do que gostaria de usar.


Cresci esquelética. Nunca tive orgulho disso, era apenas o formato do meu corpo. E minha mãe, que também tinha crescido magricela, sempre teve vergonha das pernas finas, dos ossos salientes. De modo que sempre comprou roupas largas. Então, minha primeira compra continha apenas vestimentas justíssimas. Calça jeans grudada na pele. Camisetas infantis, pra ficarem completamente coladas. Blusas daquele tricô tão bizarro que ela parece 8 números menor que o seu quando você não está dentro dela. Eu não queria mostrar o corpo, queria só usar roupas do meu tamanho, pra variar.


E foi a primeira vez que eu me dei conta de como mulher é um tipo imbecil de ser humano, quando uma coleguinha da minha sala na faculdade veio me avisar que não era de bom tom sair de casa com uma camiseta que não cobrisse o bumbum. E o pior: eu acreditei. Tinha acabado de mudar de cidade, de estado, de nível escolar. Vai que eu passei tempo demais no interior e perdi a noção, né? Fui lá de novo comprar um lote de blusas com 4 vezes o meu tamanho, só pra que cobrissem meu derriére e ninguém fosse agredido pela visão do meu bumbum seco.


Depois foi com decote, maquiagem, esmalte, cabelo. Era o tempo todo censura pela aparência. Se falasse com os meninos, cesura no comportamento. Se fosse na festa de fulano, se olhasse, se pensasse, se respirasse. Todo mundo julgando você o tempo todo.


E foi só aí, atravessando a barreira dos 20 anos, que o feminismo bateu à minha porta. E eu resisti, porque eu sempre tive essa noção radical que um gênero não precisa de vantagem em relação ao outro. Mas aos 30 eu percebi que acreditar que todo mundo é igual estava muito errado e eu entendi que não, eu não sou feminista, nem machista, só um tanto egoísta. Eu não acredito em direitos iguais, eu não acredito em superioridade. Eu acredito em necessidades especiais. Eu acredito em direitos especiais.


Vou explicar.


Eu não acho que eu sou MAIS que um homem apenas por ele ter nascido homem. Obviamente não acho um que um homem seja mais que eu em nenhuma situação. Mas eu também não sou IGUAL a um homem.


Eu não sou igual a um homem quando eu saio da barriga da minha mãe e imediatamente todo mundo acha que devo vestir rosa, mas se um bebê menino se aproxima dessa cor, um pai morre de ataque cardíaco fulminante.


Eu não sou igual a um homem quando eu entro numa loja de brinquedo e peço um soldado em vez de uma boneca e uma vendedora muito fofa me diz que a seção de meninas é ali ó. E um homem não é igual a mim se cai na desgraça de desejar uma boneca.


Eu não sou igual a um homem quando fico menstruada pela primeira vez na escola, no meio da aula e o professor de história não sabe como lidar e a diretora me repreende por ter falado a respeito no meio da sala, com um homem, na frente dos meninos. Como se o que aconteceu comigo não fosse obra da natureza, que acontece com metade da população e independente da minha vontade.


Eu não sou igual a um homem quando fico menstruada todos os meses na escola e tenho que fazer as aulas de educação física com as primeiras cólicas da minha vida, que nem eu mesma consigo entender como funcionam, sob o sol, porque o homem que me dá as aulas diz que menstruação não é desculpa.


Eu não sou igual a um homem quando tenho que passar uma semana inteira fora da piscina e usando roupas escuras no verão, porque ninguém me explica muito bem como passar aqueles dias e a sociedade não aceita saber que me encontro nessas condições.


Eu não sou igual a um homem quando começo a sair à noite e tenho que ouvir meus pais dizendo pra jamais deixar meu copo sozinho, que não posso beber demais, que não posso sair com aquela saia de jeito nenhum, que tenho fechar o decote, que tenho que me dar ao respeito, senão os meninos vão saber que eu não valho nada e terão automaticamente direito sobre meu corpo.


Eu não sou igual a um homem quando resolvo que vou sair de saia se eu quiser e vou rir se eu quiser e vou falar com quem eu quiser e um deles acha que isso significa que eu estava me oferecendo a noite toda e pode praticamente arrancar meu lábio ao forçar me beijar. E se revolta quando leva uma bofetada no meio da cara como resposta, porque eu.estava.pedindo.


Eu não sou igual a um homem quando não posso voltar desacompanhada pra casa à noite, porque alguém pode querer me machucar apenas por ser naturalmente mais forte do que eu.


Eu não sou igual a um homem quando gosto de futebol e de outros esportes, porque isso me masculiniza e nenhum menino vai querer uma menina assim tão desleixada e com as canelas roxas.


Eu não sou igual a um homem quando cada vez que eu me relaciono com alguém do sexo oposto, eu sou automaticamente a pessoa que está se insinuando. Se o homem for comprometido, eu sou automaticamente a destruidora de lares.


Eu não sou igual a um homem quando chego aos 25 anos sem um relacionamento significativo com uma pessoa do sexo oposto. Eu não sou igual a um homem quando a sociedade me expulsa repetidamente de grupos sociais em que todos acabam comprometidos depois de um tempo, porque tem alguma coisa errada com uma mulher sem homem. Sem alguém pra proteger, cuidar dos interesses sociais e das rédeas da vida em geral.


Eu não sou igual a um homem quando escolho estudar um curso tipicamente masculino e tanto colegas como professores me perguntam se minha intenção é arrumar um marido e se tenho alguma ideia de como usar uma calculadora científica com 50 botões.


Eu não sou igual a um homem quando escolho uma profissão tipicamente masculina e ninguém respeita minha autoridade pela única razão: ter nascido menina.


Eu não sou igual a um homem 3 semanas no mês, quando meus hormônios tomam o melhor de mim e eu tenho que controlar cada reação. Eu não sou igual a um homem quando meu corpo dói sem que eu tenha feito nada pra que isso acontecesse. Quando não posso controlar meu humor. Quando sinto dores que um homem JAMAIS vai experimentar e não tenho o direito nem mesmo de fechar a cara, de respirar mais fundo e até mesmo de chorar, por que não? Eu não sou igual nem mesmo às mulheres nesse momento, porque algumas iluminadas nasceram mais aptas para a sociedade e não sofrem com a mesma intensidade e acham que podem julgar a minha experiência pela delas.


Eu não sou igual a um homem se decido que meu corpo é meu e eu faço dele o que eu quiser. Inclusive expondo a maior extensão possível da minha pele, se me der vontade. E isso não quer dizer que eu esteja me exibindo ou pedindo ou querendo nada.


Eu não sou igual a um homem se decido que não quero procriar. Eu obviamente não brado contra os homens nem acho que gravidez seja violência ou qualquer outra dessas ideias perturbadas. Eu só acho que não quero a experiência nem a responsabilidade. Se um homem decide que não quer ter filhos, é só a opinião dele, uma escolha dele e mulher nenhuma vai deixar de se juntar a ele emocionalmente por causa disso. Se uma mulher decide que não quer ter filhos, ela é louca, frustrada, rebaixada, incompleta, invejosa. E nunca, NUNCA a sociedade entende um homem que se junta a esse ser mitológico incompreensível. Essa mulher que vai contra a natureza.


Eu não sou igual a um homem se decido que não quero me casar, que não quero dividir uma casa, um quarto, uma cama, um cobertor, uma conta bancária. A sociedade duvida da minha sexualidade – que a propósito, não é da conta de ninguém – e da minha sanidade mental se eu me recuso a me ligar a alguém de forma tão profunda apenas porque.eu.não.quero. Um homem que passa a vida sozinho é um solteirão independente desejado. A mulher que passa a vida sozinha é uma coitada que ficou pra titia.


Eu não sou igual a um homem quando eu engravido contra a minha vontade. [Um parêntese aqui: eu sou moralmente e pessoalmente contra o aborto. Mas essa sou eu, sobre a minha vida, a única em que eu posso opinar. Socialmente, eu acho que todo mundo tem que ter direito de fazer o que achar melhor.] E eu sinceramente acho que um homem que não esteja envolvido genética e diretamente no processo de fabricar a criança em questão, não tem direito de opinar no rumo da gravidez.


Eu não sou igual a um homem se eu divido uma casa. Ainda que o homem não esteja romanticamente envolvido comigo, se eu e um homem moramos no mesmo lugar, a obrigação de limpar, cozinhar, arrumar, é socialmente minha. E eu, enquanto viver, jamais lavarei as roupas de outra pessoa que não sejam as minhas. Limparei a bagunça de uma pessoa que não for eu. Cozinharei qualquer coisa que eu não esteja interessada em comer fora da hora que me interesse comer.


Eu não sou igual a um homem se eu tenho filhos. Desconsiderando o fato de que biologicamente eu sou a única que pode alimentar a criança pelos primeiros 6 meses, todo o resto também será minha responsabilidade. As fraldas, a alimentação, as broncas, as roupas, a higiene, o colo. Se meu filho fica doente, sou eu e não o homem que pede pra sair do trabalho pra levá-lo ao médico. Se a nota é baixa, sou eu e não o homem que recebe a ligação da escola. Se a roupa está amarrotada, sou eu e não o homem que leva a fama pelo desleixo. Eu não sou igual ao homem quando preciso faltar ao trabalho por 3 dias porque meu filho não melhora. Sou eu o alvo das fofocas de escritório sobre a falta de comprometimento com o trabalho. Sou eu que tenho apenas 4 ou 6 meses de licença maternidade, mas sou cobrada constantemente pela atenção que deixo de dar à criança, que ouço palpites sobre alimentação, educação e todas as outras tarefas que não tenho a quem delegar.


Eu não sou igual ao homem quando cresço aprendendo que não posso andar por ruas escuras, que não posso andar sozinha à noite, que não posso andar por ruas desertas em nenhum horário do dia, que não posso demorar pra travar a porta do meu carro depois de entrar nele, que não posso usar roupas curtas e justas se for usar o transporte público, quando a sociedade passa minha vida me ensinando que não devo ser estuprada, em vez de ensinar aos homens que eles não devem estuprar.


Eu não sou igual ao homem quando qualquer coisa sobre meu comportamento pode me classificar como santinha ou como safada, como puritana ou vagabunda, como pra casar ou pra comer.


Eu não sou igual ao homem quando as outras meninas todas também estão me julgando pelo que não querem ser julgadas, pelas minhas roupas, pelo comportamento que elas acham que eu deveria ter, pela forma como elas acreditam que uma mulher deve ser.

Então me digam: pra quê eu quero direitos iguais aos dos homens? Eu nunca vou ser tão forte, eu nunca vou ter as mesmas habilidades, modos de raciocínio. Eu não sou igual e não quero ser igual. Eu quero ser respeitada pelo que eu sou. Não quero que alguém role os olhos e solte um suspiro se eu disser “não posso fazer isso agora, estou quase cega de cólica e preciso de uma hora até que meu remédio faça efeito”. Eu quero que a pessoa REALMENTE entenda o que eu estou sentindo e volte uma hora depois, sem me tratar como um indivíduo inferior ou mágico por causa disso.


*****


E eu ainda tenho sorte. Eu sou uma mulher heterossexual revoltada, independente e com ideias não convencionais. A vida já não é fácil, mas não consigo imaginar o que homens e mulheres homossexuais passam apenas por não serem... iguais. Todo mundo palpitando demais em situações que não lhes dizem respeito. Se cada um cuidasse só dos próprios interesses (de verdade, e não daqueles que você ACHA que são seus, como o casamento entre duas pessoas em que uma delas NÃO É VOCÊ), todo mundo teria muito mais chances de ser feliz.


Eu entendo o feminismo. Entendo a importância dele. Entendo o que leva as meninas da minha geração abraçarem tão fervorosamente. Mas eu não sou feminista. Eu sou egoísta. Eu quero o que é melhor pra mim. Não porque eu sou mulher, não porque eu acho que mereço mais que ninguém. Eu só acho que mereço respeito, independente do gênero de cada um. Independente da forma que eu me comporto, desde que não afete DE FATO a vida de ninguém. Você deveria querer também.



PS - 01 DICA: ser uma menina bradando por respeito enquanto julga o comprimento da saia da coleguinha NÃO ESTÁ PERMITIDO.
29 Mar 10:51

Gavetas que viraram estante e cabeceira de cama

by Mirella

“Por que não pensei nisso antes?” Essa foi a frase que veio à minha cabeça, e provavelmente à sua também, quando vi essa foto.

Ideia genial essa de usar gavetas de um móvel antigo como estante na cabeceira da cama!

As gavetas são perfeitas porque geralmente não são muito profundas. Ocupam pouco espaço e são ótimas para um quarto pequenino. Para fazer uma estante mais harmônica foram usados nichos retangulares de MDF (aqueles que a gente encontra parecido em vários magazines e lojas de construção por um preço amigo.)

Os fundos das gavetas e as portas dos nichos foram cobertos com um papel que combina com a parede.

A dica para fazer uma estante igual é montar o layout no chão com as gavetas e os nichos disponíveis. Lembre-se de deixar alguns espaços vazios para a parede também aparecer e formar novos nichos.

Definido o layout, primeiro pregue as peças entre si usando pregos pequenos para só depois colar tudo na parede. Em armarinhos de material de construção você pode achar mãos francesas ou outras peças para lhe ajudar a parafusar o móvel na parede.

Foto: Revista Better Homes and Garden

O post Gavetas que viraram estante e cabeceira de cama apareceu primeiro em Casa das Firulas.

26 Mar 17:28

http://naosenteaomeulado.blogspot.com/2013/03/tia-posso-te-fazer-uma-pergunta-tenho.html

by raquel.

- tia, posso te fazer uma pergunta?

tenho calafrios. toda vez invariavelmente. e muita vontade de sair pela janela porque né. VAI SABER que tipo de pergunta virá. só jesus.

- pode, maria fernanda.
- hihihihi.
- vai, pergunta.
- como se escreve bocó?

~bocó~

soletrei e lá se foi ela.
só pra voltar dois minutos depois.

- tiiia, como que escreve idiota?
- idiota, maria fernanda?
- hihihihi.
- idiota não vou ensinar não.
- aaaaah.
- não, ficar chamando as pessoas de idiotas não é legal. eu posso no mááááximo te ensinar como se escreve "mané".

(todo um traquejo didático-pedagógico, percebam.)

daí soletrei. e olhei de rabo de olho pro papelzinho.

ela tinha escrito

BOCÓ
EU TE AMO
MANÉ

e foi muito contente entregar para seu paquerinha

+_+

em quem havia acabado de dar umas porradas porque ele a chamou de gorda do cabelo ruim.

+___+


o que me fez concluir pacificamente que temos todos 6 anos. nunca deixamos de ter 6 anos. só demos uma requintada no processo te amo não quero mais ser seu amigo cocô xixi sou seu amigo de novo vem brincar na minha casa. e chamamos pomposamente de dr.

mas não passamos de um bando de bocós.