Esta foto não é minha. Foi a primeira imagem que vi da cidade depois que voltei e ela resume tanto, que me apaixonei. A legenda diz: The yellow snake in the grey jungle, a foto é de Alex, postada no I Heart Berlin.
Isso porque antes do post sobre meus dias na Alemanha, eu sinto a necessidade de escrever sobre o que foi ir/estar na Alemanha.
Quanto mais eu crescia, mais minha curiosidade me levava a sonhar com o país. Na minha adolescência, o início do contato com os Zumblick’s de cá com os Zumblick’s de lá, era a história das minhas famílias. Como uma boa aluna, as décadas do século passado que tinham Berlim como protagonista. Quando eu estudava para o vestibular, aos 17, eu descobri que foi na Alemanha, no meio do caos, que surgiu o berço do bom design.
O que eu tinha era amor e muita curiosidade.
Como uma cidade deixada a pó pode ter se reerguido desse jeito?
Como eles lidam com um passado tão escuro e hoje é um país tão promissor?
Como simplesmente dividem uma cidade ao meio?
Como são as pessoas que vivem lá?
Como é morar lá?
E todas estas e outras questões foram respondidas.
Eu cheguei à noite, não conseguia ver nada da janela do avião a não ser luzes lá embaixo. Mas foi só avisarem que estavam iniciando o processo de pouso para meus olhinhos encherem de água e acreditar que sim, aquela lata que voa no céu que eu morro de medo ia descer e ia ser na Alemanha. Frank dormia.
Berlim é, antes de tudo, uma cidade livre.
E ela não merecia nada menos que isso.
As pessoas são livres.
Livres para se mover. Lá, num mesmo cruzamento, tu vês o carro, o metrô de superfície, o ônibus, o ciclista e o pedestre dividindo o mesmo cruzamento. É assustador. E tudo dá certo. Tudo. Os meios de transportes (ônibus, metrô de superfície e subterrâneo) são interligados. Pontual. A cada 5 minutos, o que precisas vai passar. Está lá, em contagem regressiva, para não teres dúvida. O que mais me chamou atenção foram as bicicletas. Eu não esperava por isso, porque a gente só vê Amsterdam. Berlim é um absurdo no quesito bicicleta. Minha primeira visão à luz do dia na cidade, da minha sacada, foi uma mulher de cabelos vermelhos curtos, vestindo uma camisa colorida, com o filho na garupa da bicicleta. Estava levando ele para escola. E assim foram todas as minhas manhãs: pais levando seus filhos na bicicleta, ou ainda mais lindo, as crianças iam ao lado, com sua própria bicicleta. Eu estou falando de crianças, de sei lá, 70 cm de altura. Bicicletas sem rodinhas. Perto de onde fiquei, havia uma escola e em frente à escola havia um estacionamento de bicicletas, bicicletas de crianças. Eu nunca tinha visto tanta criança na rua, tanto carrinho de bebê na rua e nos metrôs. Meu primeiro pensamento foi: meu deus, a taxa de natalidade está alta por aqui. Depois de mais um tempo, eu percebi que a resposta era simples: todas as crianças que eu vi, as inúmeras crianças que eu vi, não estavam numa cadeirinha dentro de um carro no trânsito, como é aqui. Elas estavam nas ruas, com seus pais, indo para onde precisavam ir, da mesma forma. Próximo aos metrôs, estacionamento de bicicletas. Boa parte das pessoas vai de bicicleta até o metrô e segue com ele até o trabalho. Haviam bicicletas em todas as ruas, todas. E assim foram todas as minhas noites: cuidando ao sair da calçada e pisar na ciclovia, porque elas passavam voando, iluminadas, eram pessoas retornando do trabalho, em fila.
Livres para se vestir. O que as europeias estão usando? Mas que bobagem. Pura bobagem. Lá, eles vestem o que querem, como querem. O metrô é um festival. A rua é um festival. De estilosa moça impecável em sua bicicleta (tinha umas que eu queria dar um soco na cara e pedir a roupa e a bicicleta e dizer, moça, me diga aonde estais indo, pode deixar que eu vou no teu lugar), os inúmeros punks sentados na minha frente no metrô com suas cervejas na mão. O grupo de amigos, que mais parecia ter saído dos anos 90. Ninguém olha feio, ninguém fala nada. Ninguém estranha. Só a gente. Meu deus, as pessoas do Neue Heimat! Depois eu conto. Aliás, lá é garrafinha de vidro na mão a qualquer hora do dia. Seja de cerveja ou de qualquer outra coisa. Se der uma briga, morre todo mundo. Mas briga eu não vi. E não é a toa que em estabelecimentos, quando retornas com a garrafa vidro (só-tem-de-vidro e boa parte do tempo vais tomar na boca da garrafa mesmo), ganhas 1 ou 2 euros de volta, dependendo do local.
A arquitetura é livre.
Livre porque é uma desorganização organizada. O velho e o novo junto. Moderna, inusitada. As intervenções. Os prédios! Meu deus, vamos construir um prédio branco e pintá-lo, sei lá, com as cores do arco-íris, mas só meio? Sim. Claro. E fazer só um bloco vermelho? Sim, pode. E neste aqui, que tal uma ilustração de um homem nu com um pênis gigante? Mas por que não? A arquitetura de Berlim não é certinha, alinhada, unitária. Pode ser clássica, pode ser quadrada, pesada, leve, limpa e suja. Não existe medo da cor. Só na esquina da minha rua existiam prédios com lagartixas gigantes pintadas em várias cores! Eu parecia uma coruja, meu pescoço virava 360 graus o tempo todo. Para onde quer que tu olhe, nada será óbvio. Obras, inclusive, estão por toda a cidade. Em todo o lugar. Sempre grandiosas, sejam de restauração ou de ampliação. (Estavam até fazendo outra linha de metrô. Para eles, ainda pode ser melhor).
Livre para contar sua história.
Por pior que seja, o alemão não esconde ou diminui em importância. Ela está lá, de pé. Se não estiver mais de pé, eles te mostram como era, nem que risquem no chão. Não tem problema. Mas vai estar lá, viva para ser vista e nunca esquecida. Museus, tu terás todos e quantos quiseres. Um pensamento estranho que tive enquanto via tudo aquilo foi: ainda bem que aconteceu aqui. Porque só eles para contar a história assim, de forma tão clara, tão explicativa, interativa, demonstrativa, sensitiva. Seja em museus ao ar livre, sejam os fechados, pagos ou de graça. Todas as informações estão lá. Tudo é impecável.
E lá estava eu, no meio de tanta coisa, andando pelas ruas deles, pouco mais de uma semana. E os jovens que passavam por mim, eram os netos dos que passaram pela guerra na década de 1940, os filhos dos que lutaram pela unificação na década de 1980. Era um presente estar ali.