A história que eu vou contar, eu só contei pra um amigo ano passado. Na verdade eu só consegui processar tudo em 2012. Não demorei pra contar porque era pesado e eu queria manter segredo. Demorei para contar, pois eu nem sabia o que era.
Aconteceu em 2001. Minha mãe costumava viajar para Minas e a casa ficava livre. Eu tinha 17/18, não lembro exatamente o mês. E aí resolvi dar uma festa como sempre. Todo tipo de bebida, uma loucura. Só chamei amigos. Lembro de ter bebido uma garrafa inteira de uísque com duas pessoas. Estava tresloucada. Todo mundo estava.
Num dado momento, subi para o terraço e escutei um amigo - que, por motivos óbvios, não é mais meu amigo - falando com outra amiga: "Patricia está trêbada, é hoje que eu como ela". Parei na porta, eles não me viram. Sabe quando você fica sóbrio na hora? O álcool sobe e você tem a noção de tudo. Eu tive a noção de parar de beber, eu precisava e ninguém ia cuidar de mim porque todo mundo estava bêbado e tal. Esse meu amigo também, mas nada justifica aquela frase. Nem nos meus maiores porres eu fiz algo desse nível. É meio aquela mulher que foi presa no aeroporto por racismo e disse que xingou o atendente de macaco pois estava nervosa. Não cola, sabe.
O mais estranho de tudo é o tempo que levei pra processar essa história. 11 anos.
Porque eu não terminei a minha amizade com ele aquele dia. Terminei meses depois por outros motivos.
Lembrar daquele dia sempre foi um incômodo, mas eu não parava pra pensar muito, por causa dos outros acontecimentos da mesma noite. Eu tendo que cuidar de todo mundo, eu dando banho em amigos e limpando o vômito de geral etc. Lembrar desse dia era sempre uma zoação no grupo "lembra o dia que eu te dei banho? hahahahah" etc. O humor apaziguava tudo.
Até que ano retrasado, e muito por causa de outro BBB, o da Monique, eu fui colocando as peças no lugar. Que ele tentou, mas não conseguiu porque eu já estava sóbria. E tive que me cuidar. E da sorte de eu escutar os planos dele antes. Porque se eu não escutasse, taí, teria acontecido mesmo.
E hoje alguém postou no twitter que mulher nenhuma gosta de dizer que foi abusada. E é super verdade, né. Demorei anos para entender uma história de quase-abuso, mesmo tendo sido abusada na infância. O quanto eu achei que era a culpada "bebi muito, da próxima vez devo maneirar", o quanto eu o eximi da culpa "ele só tava brincando". E olha, que nem em boate com desconhecido eu estava. Estava na minha casa com amigos.
Então, fica só uma solidariedade com um misto de tristeza sobre a Monique e a Angela, quando elas dizem que não aconteceu nada. Demorei 11 anos pra entender as nuances e aceitar que o errado da história toda é o meu ex-amigo. Espero que elas descubram em menos tempo.