No ano passado foram 12. Este ano quase duplico e chego a 20 (na verdade 23) pratos de restaurantes portugueses que me marcaram no ano de 2014. Uns são apenas apontamentos, outros tomam a forma tradicional de 'prato'. Uns são tradicionais, outros de cozinha contemporânea, como é o caso deste ceviche de José Avillez, do seu mais recente restaurante em Lisboa: o Mini Bar. Fui lá logo na primeira semana e voltei, três ou quatro vezes, durante o ano. Em todas pedi este ceviche que leva tudo o que deve ter: o pescado (gamba do Algarve, neste caso), o leche de tigre, a lima, a cebola e o milho. Abocanha-se (literalmente) o citrino com os ingredientes no topo. Depois... é um disparo de sabores de notas agudas, que nos faz querer chorar por mais. Impossível não repetir.
Num restaurante moderno chamar-lhe-iam "chips de pataniscas". Na Tasquinha do Oliveira, em Évora, chamam-lhes aquilo que são: pataniscas. E que pataniscas! Bacalhau na medida certa e uma fritura exemplar a deixar um crocante fantástico. Uma delícia. Provavelmente as melhores que já comi.
Foi na Tasca da Esquina de Lisboa, de Vítor Sobral, que nasceu o conceito de tasca contemporânea, que por aí agora tanto prolifera. Considero a original (esta) a melhor e gosto particularmente do toque actual que dão à cozinha tradicional, como nesta sardinha marinada, com pimentos (molho) e batata (pastel), de Hugo Nascimento.
Incluir um prato do receituário português da importância de um cozido à portuguesa num menu de degustação de um fine dining, com todos os seus elementos e apresentação cuidada, sem comprometer o sabor, não é para todos. O caldo deste prato do Belcanto de José Avillez é simplesmente maravilhoso e não necessita de ter a carne e os enchidos para percebermos que eles passaram por lá umas longas horas.
Há por aí muito wagyu ou kobe beef (como erradamente por vezes aparece escrito) em que se vende um nome, sem entregar a qualidade correspondente. Não foi o que se passou no Vila Joya com estes lollipops de carne bovina de sabor tão incrível como a sua textura sedosa. A ideia era passá-la pelo caldo de cogumelos, como um shabu shabu. Muuuuu, Irasshaimase!
Tudo ao molho e fé no Ljubomir, como numa fanfarra de Kusturica em pantufas (leia-se: comfort food), no Bistro 100 Maneiras, em Lisboa). Cogumelos, folhas verdes, ovo escalfado, pão torrado, legumes baby.. tudo e mais um queijo. Da ilha.
Se tivesse de eleger apenas um prato em 2014, seria este, do Feitoria: folhas cruas e cozinhadas com tutano, pão torrado e jus de veau. F-o-d-a - s-e ! (pardon my english).
Búzios com sabores asiáticos. Tão bonito, como bom. Mais um prato dos mil e um diferentes que Toamoaki Kanazawa deve ter criado em apenas um mês. No Tomo, em Algés.
Ambiente cool e comida bem feita são dois conceitos nem sempre fáceis de conjugar numa mesma frase. Kiko Martins conseguiu (ou está a conseguir) desde que há pouco mais de um mês abriu A Cevicheria no Príncipe Real (Lisboa). O chef Kiko não é um purista e, embora este ceviche siga a tradição, ele dá-lhe um toque de prato de conforto, com o puré de batata doce, sem trair a tradição. Já era tempo do fenómeno latino americano contemporâneo (uma das tendências dos últimos anos na vizinha Espanha) dar o salto até terras lusas.
Muitas vezes de tanto querermos descobrir novos restaurantes, ou de nos fixarmos sempre nos mesmos, acabamos por não dar a devida atenção a quem vem trabalhando bem há muito tempo. É o que acontece com Ricardo Komori, do Bonsai (também no Príncipe Real) que num dia em que fui atrás do seu (bom) ramen arrasou-me com este usuzukuri de lírio - o fantástico peixe que nos chega dos Açores e que cada vez mais é utilizado pelos nossos (bons) restaurantes japoneses.
Pedro Lemos, o nosso mais recente estrela Michelin (no restaurante que leva o seu nome, no Porto) tem mão para ir buscar o sabor da cozinha das nossas mães e juntar-lhe a técnica da cozinha clássica francesa. Um bom exemplo é este salmonete com lulinha, legumes e molho do assado.
Leonardo Pereira está à frente do restaurante do Hotel Areias do Seixo (Santa Cruz, próximo de Torres Vedras) e estou em crer que será um caso muito sério no nosso país, assim lhe dêem tempo e condições (mínimas). Os quase 5 anos que passou no Noma, em Copenhaga (o tal melhor restaurante do mundo) marcarão certamente a sua cozinha. Contudo, no óptimo jantar do projecto Origens / Sangue na Guelra, mostrou caminhos para fazer uma ligação com a cozinha portuguesa e os produtos locais. O melhor exemplo foi esta a raia com molho de pitau, de comer à mão e lamber os dedos.
O jantar prometia ser um desastre. Agosto, restaurante cheio, serviço displicente, em praia alternativa da moda. Arrisquei pedir o pregado grelhado depois de ter visto os belos exemplares na montra. Deus meu... que até eu, agnóstico, me ajoelhei perante o sabor e a competência do mestre encarregue de lhe (e nos) tratar da saúde. Foi no Sitio do Rio, na Carrapateira (Costa Vicentina, Algarve).
Achava que não era grande fã de bife tártaro, talvez porque nunca tinha comido nenhum especial. Este, de O Talho, foge ligeiramente aos cânones e é isso que me faz ir lá por ele. No essencial, a receita é respeitada mas o twist japa de o embrulhar numa alga nori (ainda que seja opcional) e de lhe acrescentar um apontamento de puré de rábano foi uma ideia fantástica. Quanto ao shot de vodka...na zdorovie!
Adoro o Fortaleza do Guincho em qualquer estação, mas devo confessar que nos últimos dois anos tenho gostado particularmente dos menus de Outono, sobretudo, quando coincidem com a chegada de caça. Olhem para este prato de veado. Será preciso acrescentar algo?
Em Portugal valoriza-se a carne de vitela em detrimento da vaca velha, que acaba por ser exportada para Espanha. Contrariando um pouco o sistema, desde há 2 anos que o Vinum, em V.N. Gaia, lhe dedica uma semana especial. Este ano fui lá e sai estarrecido com a qualidade da carne e com o sabor limpo (percebe-se subtilmente a alimentação do animal, dado que a carne é maturada apenas o suficiente para que fique macia). Apreciei ainda a forma como é bem tratada no restaurante e o acompanhamento minimalista, com um tipo de pimento do País Basco.
Este bife de vaca dos Açores é macio, não pela maturação, mas pela necessidade. No Leopold (em Lisboa) não há fogão e, por isso, a maior parte dos produtos são cozinhados a vácuo, a baixa temperatura, numa "Roner". Há quem desconfie e insinue que é Marketing. Pois... mas se o resultado não fosse bom, não haveria estratégia de marketing que o sustentasse. Portanto, valorizo o engenho de Tiago Feio, sim, mas mais ainda a conjugação dos elementos neste prato: a carne fatiada, a pêra fermentada, a rúcula e a manteiga de ovelha Azeitão.
Nos últimos anos, sobretudo, não há restaurante estrelado no mundo que não tenha servido um prato de pombo. Não sou o seu maior apreciador e tenho levado com a dose com maior frequência do que gostaria. Contudo, dou o braço a torcer a este do L'And (Montemor o Novo), em que o chef Miguel Laffan nos atira à cara o sabor intenso próprio do bicho, equilibrando o conjunto com um risotto bem comfort, espicaçado por um toque vegetal de rábano.
Há muito que ouvia falar do cozido à portuguesa dominical do Nobre (Lisboa). Finalmente fui conhecer o fenómeno e sai a rebolar. O cozido é servido em buffet mas há o cuidado de ir repondo os elementos de forma a estarem sempre quentes (o que é diferente de serem apenas requentados no rechaud). O truque parece simples: usar ingredientes de qualidade e respeitar os tempos de cozedura. O problema é que a simplicidade nem sempre está ao alcance de todos.
Leva imensos ovos, a aletria da Casa Inês (Porto). Abençoadas galinhas que os põem e mulheres que separam as gemas, juntam a massa, o leite e o açúcar e preparam o pecado para nosso deleite. Comê-la emparelhada com uma rabanada, foi como entrar num bordel de anjinhos da Victoria Secret, só que mais cheinhas e com glúten.
Se chegou aqui já deve estar com fome e, por isso, a estes 20 pratos acrescento ainda 4 menções honrosas (que só não fazem parte da lista de cima porque há a mania de que os números têm de ser redondos):
Adorei o Bacalhau à Brás em versão "faça você mesmo à mesa", uma das entradas do menu de Outono/Inverno de João Rodrigues, no Feitoria. É diferente, divertido, saboroso e... resulta. Um chefe Michelin não deve nunca perder a capacidade de surpreender.
Fora do contexto parece estranho e por si só pouco valor teria. No entanto, esta alface de caule longo (que Hans Neuner planta numa horta, algures junto à N128, no Algarve), servida com um molho bérnaise (em jeito de 'dip'), no meio de um incrível menu de degustação do Ocean, em Porches (Algarve) acabou por se destacar. Pelo seu sabor amargo/doce e, ok, pela estranheza - Houve ainda um pão de sardinha, numa atitude de cozinha canalha num 2 estrelas Michelin, que podia estar aqui, mas não encontrei a foto.
No Arola da Penha Longa, Milton Anes tem asas para voar dentro dos parâmetros do menu definidos com o chef star espanhol Sergi Arola. Eu gostei da sua liberdade na quase dezena de (pequenos) pratos do menu de degustação e, em particular, das asinhas de frango trufadas com sésamo e molho de aves (à francesa). Se a Valenciana ou a Rio de Mel fechassem fazia do chef da Penha Longa o meu dealer em dias de bola.
Deve a ser a sobremesa que mais vende em O Talho. Porquê? imaginem uma folha de arroz crocante (frita) polvilhada de açúcar em pó e lemon curd. Juntem-lhe uma colher de gelado de goiaba e parfaits de erva príncipe. É mesmo preciso escrever mais?