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28 Feb 18:46

Uma propaganda triste

by camilalpav

A propaganda:

“Ir de táxi pro motel não dá – alugue um carro!”

1) Começa com o motel. Motel para mim é um lugar inapelavelmente triste porque significa que você não pode transar na sua própria casa, e uma casa onde você não pode transar não é diferente de uma casa onde você não pode comer, dormir, tomar banho, respirar. Sim, este é o significado peculiar e absolutamente não-generalizável que atribuo a motéis – sei que há pessoas que veem os motéis como locais de experimentação, onde se podem testar em segurança os fetiches aprendidos nos 50 tons; sei que há aqueles que acreditam em apimentamento da relação, e sei que há os que moram com os pais e os que estão em outra cidade ou país, longe de casa. Mas eu estou falando da minha experiência, e a minha experiência diz que motel, assim como palhaço e MacDonald’s, é uma coisa triste.

2) Mais triste do que ir ao motel é precisar fazê-lo de carro. O ônibus não seria sexy o suficiente? No táxi, correr-se-ia o risco da moça fugir com o taxista? O suor da caminhada haveria de eliminar o tesão? É triste, é lamentável o imperativo de que sexo e prazer só combinam com carro – e não qualquer carro, pois não basta um táxi: há de se ter um carro próprio (nada mais afrodisíaco do que o IPVA chegando pelo correio), ou, na falta deste, vá lá, um alugado.

3) A propaganda me fez lembrar que vejo muita gente namorando no metrô, e eu mesma adoro namorar no metrô e acho lindo e romântico, mas também pode ser um pouco triste, quer dizer, eu sempre fico um pouco triste quando vejo um casal de homens ou de mulheres namorando no metrô. Pois, enquanto já vi inúmeros casais de homens e de mulheres se beijando em estações que vão da Sé até o Jardim São Paulo, isto é, do centro até a Zona Norte da cidade, eu nunca, nunca mesmo, vi dois homens ou duas mulheres se beijando, pelo menos na Zona Norte, fora do metrô, ao ar livre, na rua.

4) No mundo em que eu gostaria de morar, carros não seriam sexy e casais não precisariam se refugiar no metrô. Muito mais coisas seriam bem-vindas no mundo em que eu gostaria de morar, mas essas duas já seriam um bom começo. Já imaginou um mundo em que em vez de os carros serem humanizados, as pessoas o fossem? Pois é, eu já.

25 Feb 21:13

Doe livros, não importa onde, não importa como

by Roberta Fraga

Você tem sede de quê?

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Recentemente eu tive contato com um projeto de incentivo à leitura para lá de significativo. Como este é um blog de amantes dos livros não pude deixar de compartilhar com vocês a mágica que acontece no Barca das letras. Eu pensei que ia escrever um texto carregado de emoção, esta mesma emoção (ou pelo menos parecida) com a emoção que eu tive ao ver o trabalho quer é realizado. Mas guardei as divagações quanto a isso…

Deixei as palavras de um voluntário falarem porque são mais verdadeiras em dados e em importância.

A lição que posso tirar disso para a vida: doe livros, não importa onde, nem importa como.

Você conhece o Barca das Letras?

A Biblioteca Itinerante Barca das Letras nasceu para servir os povos da nossa floresta amazônica, que vivem (ou tentam viver) em harmonia com a mãe natureza, às margens de rios, igarapés, furos, ilhas, lagos. Eles são os nossos povos tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais) ou originários (indígenas) que da floresta só retiram o necessário para sua sobrevivência e de seus filhos, guardando o restante para as futuras gerações. Geograficamente isolados, vivem em pequenas comunidades com dez, vinte, trinta casas por agrupamento e ali criam seus filhos, geralmente, sem médicos, sem energia elétrica 24 horas, sem telefone e, claro, sem educação de qualidade, colocando em prática os fartos saberes herdados de seus ancestrais.

É dentro deste contexto, que a Barca das Letras vem atuando, desde 21 de abril de 2008, navegando amorosa e alegremente pelas águas da nossa casa Amazônia (Amapá, Pará, Roraima, Tocantins) e a partir de 2010, também por algumas comunidades do nordeste (Piauí, Ceará e Bahia), centro-oeste (Distrito Federal e Goiás) e sudeste (Minas Gerais). Sempre distribuindo gratuitamente milhares de livros, revistas, gibis, brinquedos, material escolar, os quais são arrecadados, principalmente, em intervenções urbanas, realizadas mensalmente no Eixão do Lazer em Brasília e pelas redes sociais. Também há mobilizações para arrecadações de livros feitas por voluntários-parceiros de outras cidades, como Macapá, Belém e São Paulo.

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E quem faz o projeto caminhar?

A Barca das Letras só funciona com a ajuda de muitos voluntários, de fora e de dentro das próprias comunidades, os quais se envolvem amorosa e alegremente nas intervenções realizadas mensalmente em cada comunidade ribeirinha e/ou nas campanhas de arrecadação de livros nas cidades. Dezenas de voluntários, de todas as idades, de muitas formações, já participaram das mochiladas culturais da Barca das Letras pelas diversas comunidades ribeirinhas já visitadas. Todas pessoas especiais, que se deslocam de suas cidades (São Paulo, Brasília, Roraima, Belém, Macapá), pagando suas próprias despesas, para gentilmente participar das intervenções de incentivo à leitura, compartilhando seus saberes e, principalmente, aprendendo com os povos da floresta, vivenciando sua potente cultura e seu modo de vida tradicional, simples e harmonioso, que ainda é muito invísivel aos olhos dos que vivem nas nossas cidades e dos governantes de plantão.

Nós temos uma agenda de vivências pelas comunidades, que sempre divulgamos em nosso blog. Agora, a partir de 16 de fevereiro, nós vamos começar as primeiras mochiladas culturais por comunidades ribeirinhas do Amapá. Já na segunda semana de março, seguiremos navegando por comunidades do Pará.

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Qual o maior ganho no incentivo à leitura?

Todo esse esforço para democratizar o acesso ao livro, à leitura, à literatura e à arte-educação à essas crianças ribeirinhas é muito importante para todos nós que fazemos a Barca das Letras. Porque nós acreditamos que a leitura, a educação popular e a cultura popular podem ajudar a fortalecer e melhorar a qualidade de vida das comunidades e com isso contribuir para manter as futuras (e atuais) gerações em seus territórios, sem sofrer o pernicioso e indesejado êxodo rural, garantindo, por via de consequência, a preservação da nossa floresta amazônica.

Na minha opinião a maior vantagem de incentivar a leitura é a liberdade que a pessoa que lê adquire. A partir do momento que você embarca no mundo mágico da leitura, ninguém mais te segura. Você é livre para ser o humano que você quiser ser. E o leitor, sempre é um cidadão, um ser de luz, um ser que não aceita o mundo que aí está posto, cheio de injustiças, de um consumismo louco, exacerbado, destruidor da mãe-natureza. O ser-leitor quer transformar, revirar, revolucionar o mundo ao seu redor, quer sempre agir em busca do melhor para si e para os outros, a coletividade. E é por isso que é muito legal incentivar a leitura!!!

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Como funciona?

Os livros, revistas, gibis, brinquedos, material escolar são arrecadados, principalmente, em intervenções urbanas realizadas sempre no último domingo do mês no Eixão do Lazer (107/108 Norte), em Brasília. A gente repete a mesma intervenção alegre e colorida que é feita nas comunidades ribeirinhas para os frequentadores do Eixão do Lazer, demonstrando como é a nosso jeito de incentivar a leitura com as crianças de todas as idades, inclusive, com a presença do meu personagem, o palhaço Ribeirinho, o comandante da Barca das Letras. Enchemos alguns metros do Eixão com canoa, artesanato das comunidades, fotos e muitos adereços que são utilizados no dia-a-dia dos moradores da comunidade e que transformamos em arte. Com isso, conseguimos, atrair olhares curiosos de algumas pessoas, que depois trazem, generosamente, suas doações ou nos ligam para buscar em suas casas durante a semana. Outra forma que utilizamos para arrecadar os livros é em campanhas permanentes pelas redes sociais (facebook, twitter). Também há mobilizações para arrecadações de livros feitas por voluntários-parceiros de outras cidades, como Macapá, Belém e São Paulo.

O que os destinatários do projeto têm de especial?

Vivemos em um mundo repleto de possibilidades para quem quer ajudar na construção de um mundo melhor, mais humano, mais justo e solidário. Particularmente escolhi fazer trabalho voluntário com as crianças e moradores de comunidades ribeirinhas porque minhas origens estão lá na beira dos Rio Pedreira e Rio Macacoari, na Comunidade Quilombola Conceição do Macacoari, no Amapá. No meu entender todas as comunidades rurais são especiais, porque são elas que mantém a natureza viva, as florestas, os rios, os animais com o seu modo tradiconal de viver. São essas comunidades que nos alimentam, que plantam o açai, a mandioca, as frutas nossas de cada dia e estação, que pescam nosso peixe. São essas populações tradicionais ou originárias que desenvolvem a agricultura familiar e que precisam ser apoiadas para que permaneçam lá em seus territórios, tendo o mínimo de qualidade de vida, de educação de qualidade. Ficando lá no meio da floresta, onde sabem viver e desenvolver a agricultura, mantendo sua cultura popular, não abrirão espaço para que o agronegócio, as mineradoras, as barragens/hidrelétricas, a pecuária extensiva, as madereiras destruam ainda mais as nossas florestas. É por isso que escolhemos sempre apoiar as comunidades ribeirinhas, quilombolas, agroextrativistas, pescadores artesanais, indígenas, estejam elas na Amazônia ou no Chuí.

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Atividades que o projeto realiza

Em cada porto que a Barca das Letras se instala acontece uma verdadeira festa literária comunitária e solidária, que pode durar de quatro a vinte horas, dependendo de cada comunidade visitada. E as primeiras pessoas que surgem para brincar na biblioteca são sempre elas, as protagonistas principais desta história: as crianças. E são muitas, dezenas de crianças, que vêm, com seus sorrisos largos, cheias de criatividade e olhos brilhando de tanta emoção, para participar de todo o processo, construir junto com a gente a intervenção: montar a biblioteca, enfeitando-a com muitos panos coloridos e adereços das próprias comunidades; brincar de ler os livros e gibis em roda, deitados; pintar o sete, a cara e as paredes dos espaços comunitários onde acontecem as brincadeiras; desenhar os animais da floresta, seus barcos e as suas próprias casas; cantar cantigas de roda, músicas de criança; contar e ouvir histórias dos livros e da própria comunidade; falar na “Rádia Megafônica Nossa Casa Amazônia Livre” apresentada pelo Palhaço Ribeirinho; tomar banhos de rio; aprender a tirar foto; vestir-se de palhacinho para animar os participantes; participar das rodas de abraço; criar consciência ambiental com a intervenção Lixo Cultural Sonoro, que chama a atenção para o lixo doméstico de cada um jogado no rio ou pela comunidade; assistir o cineminha animado à noite com pipoca ou caroço de açai com farinha; ensinar sua cultura local e apresentar seus talentos (grupos de marabaixo, carimbó, batuque, hip hop, artesanato); ver e sentir as exposições fotográficas (suas próprias fotos) e/ou de artistas-parceiros; criar/recitar poesias.

Você também pode colaborar:

barcadasletras.blogspot.com.br

facebook

twitter

Para doações ou participar como voluntário:

barcadasletras@gmail.com

(61) 8167 1254 tratar com Jonas Banhos

BRASILIA EIXÃO

Créditos dos vídeos e das imagens de Jonas Banhos e Mauro Sampaio.

Informações fornecidas por Jonas Banhos.

Conheça aqui também o trabalho

24 Feb 21:45

Fábrica de sentir e escrever.

by Tati
O seu trabalho é escrever, então não há nada sobre o que você não fale. Como um repentista da era digital, te dão um tema e você o devolve em trinta pílulas de conteúdo de 140 caracteres. Mais? Sim, podemos fazer um texto. Com foto? Ok, vamos produzir uma foto sobre o tema, sem problema. 
Já tive medo das palavras, media a conta-gotas o que ia dizer, com medo de magoar alguém. No fim, vi que não fazia muito sentido todo esse cuidado. As pessoas entendem o que elas querem entender - e interpretam como querem o que querem interpretar. O medo se mostrou inútil e foi deixado de lado. Sem medo de falar, as coisas começaram a mudar. Foi o tempo de destruir tudo o que havia em volta - e tudo foi destruido.  Para que se pudesse começar do zero, de um jeito diferente.
E também havia o respeito. A cerimônia para escrever. Aquilo de achar que só era possível escrever se houvesse toda uma atmosfera em volta. A vida prática veio a colocar essa mania por terra. Não há mais tempo para ficar cinco horas rodeando um texto até, exausta, considerá-lo pronto. Agora é escrever e mandar embora. Riscar a tarefa da lista e pegar a próxima. Matando leões sem nem ter tempo de velar o corpo.
Escrever rápido, sem medo e sem cerimônia. Se eu acho melhor assim? Eu acho. Temos um milhão de outras coisas pra fazer. Vou escrevendo sem maiores intenções tudo o que me pedem para ser escrito. Eu já não meço tanto as palavras. Vou soltando todas pelo chão, depois passo recolhendo as melhores, embalo em um pacote bonito e entrego a quem lhes pediu. Já não pesa mais no meu coração as coisas que eu escrevo. Coloco na tela e as mando embora. Próximo!
Photo Credit: overseastom via Compfight cc

23 Feb 02:18

fotografia de amor

by Dani Arrais

Joana Pires escreve no 7 Fotografia sobre uma fotografia de Larissa Ribeiro que eu amo muito! ♥ E ainda mistura as impressões e referências com palavras sobre o texto do Antonio Prata.

Leiam > http://setefotografia.wordpress.com/2013/02/21/ninguem-pode-ficar-olhando-pra-sempre-o-amor/

Já esbocei, uma vez, um texto sobre o que uma imagem como essa é capaz de me provocar, mas é coisa para se pensar de novo. Para se trazer para o juízo novamente. Esse texto falava do instante.

Porque o instante nos escapa. O presente está sempre perdido.

Heiddeger sugeriu que o instante é um momento sentido tão plenamente que não pode conter nenhuma outra sensação. A gente só é capaz de reconhecê-lo quando o compara ao que nos acontece antes e ao que nos acontece depois. Dois conceitos estão interligados nessa noção de momentâneo: o de sensação e cognição. A sensação é o que sentimos no momento do instante, a cognição é o que só se reconhece depois que o momento passou. Adoro essa rebeldia do instante, que nunca será apreendido, fixado. Ele nos ensina a viver, mas se perde quando reconhecemos o aprendizado, quando entendemos a mensagem.

Antônio Prata, num texto incrível publicado na Ilustrada, da Folha, disse que “toda memória é um luto pelo que vamos deixando para trás”. Ele falava dos amores que se acabam e da memória que mantém o que precisa ficar e ao mesmo tempo apaga o que acha conveniente esquecer.

E aí me lembro dessa fotografia de larissa r. – fotógrafa previamente citada aqui no blog em um Flickrweek meu – e de tantas outras imagens que vi, que produzi e das quais participei. Lembrei dos instagrams dos amores dos amigos. A fotografia do amor é uma tentativa de apreender esse instante que escapa. O amor em si é um instante que vivemos geralmente intensamente, já pensando no momento dele se perder. E quando se olha para a foto é possível sentir aquela sensação fina, quase uma pequena pontada que é como uma raspagem de um momento. A sensação não se tem de volta – jamais. Mas o dar-se conta do que se sentiu pode ser retomado, logo após o momento passar, ou tempos depois. Olho uma foto antiga e dou-me conta de que o que vivi foi bom, foi forte, foi bonito. Mas não vem novamente.

Essa foto linda de larissa me diz isso. E me fala de todos os amores, de todos os beijos passados, de todas as bocas úmidas que encontram as peles macias de outros, e desse toque que nunca pode ser repetido. No texto de Antônio Prata, ele fala do encontro de dois ex-namorados para um almoço convencional e na superfície. Ele fala que “há uma vontade genuína de se aproximar e o tácito reconhecimento dessa impossibilidade”. Porque tocar aquele instante que uniu os dois num determinado momento passa a ser, agora, reconhecidamente impossível.

“Dois velhos amigos, quando se reveem, voltam no ato para o território comum de sua amizade. Reconstroem o pátio da escola, o Centro Acadêmico, o prédio em que moraram –e o adentram. Em três chopes, refez-se o antigo elo. Para os ex-amantes, no entanto, é impossível restabelecer o elo, o elo morreu com o amor, era o amor. O que sobra é feito um cômodo dentro da gente, cheio de móveis e objetos valiosos, porém trancado. Nesses almoços, estamos sempre no corredor, olhando para a porta fechada. Sentimos saudades do que está ali dentro, mas não podemos nem queremos entrar”, diz Antônio, num trecho valioso. E o quarto ali é como a fotografia aqui na nossa mão. Estamos diante dela, olhamos para ela, sentimos saudade mas não podemos nem queremos entrar nela novamente. Não é seguro.

Pater disse que “a arte é valiosa pela propriedade de nos afetar com uma impressão especial e única de prazer”. A fotografia faz isso. O instante também. O instante, que é como o amor…

23 Feb 02:11

Minha mãe deixou que eu morasse com meu pai

by camilalpav

Minha mãe deixou que eu morasse com meu pai, e três meses depois ela morreu.

Em uma das últimas lembranças que tenho dela, ela me pôs sentada em seu colo no sofá da sala que é a mesma sala onde escrevo agora, e me disse que não, não estava nem um pouco feliz por eu estar indo embora, não estava achando nenhuma graça, não estava achando nada divertido. Mas ela disse também que nada disso importava, porque o que importava ali era a minha escolha, e que se eu achava que seria mais feliz morando com o meu pai, ela não tinha o direito de impedir que eu fosse descobrir, com ele, se aquilo era verdade. Acrescentou que amor não é querer ter o outro sempre junto de si, e sim querer que o outro esteja exatamente no lugar onde ele quer estar. E disse que me amava e por isso estava deixando que eu fosse embora.

Eu tinha uma mãe muito triste no sofá da sala e um pai muito contente me esperando lá embaixo na portaria. Saí correndo em direção ao meu pai sem olhar para trás.

Eu ia passar os fins de semana com a minha mãe e toda vez que me despedia dela, aos domingos, corria em direção ao meu pai sem olhar para trás.

(Uma das histórias que minha mãe me contava que mais me fascinava era a de Orfeu e Eurídice.)

A última, precisamente a última lembrança que tenho da minha mãe, é dela me deixando na portaria do prédio em que eu morava com meu pai – em cuja direção corri, sem olhar para trás.

Eu tinha dez anos e escolhi morar com meu pai, que gostou; minha mãe ficou triste, mas deixou; eu fiquei confusa, mas aceitei.

Minha mãe era o tipo de mãe que deixava a filha ir morar com o pai.

Eu sou o tipo de filha que lembra disso vinte anos depois e chora em posição fetal no sofá, tentando lembrar exatamente como era a sensação de estar no colo dela, tentando e não conseguindo.

Minha mãe não teve tempo de me ensinar uma porção de coisas que eu gostaria de ter aprendido através de suas palavras. Ela não me ensinou o que fazer em caso de menstruação, em caso de déficit na conta bancária, em caso de homem que não retorna a ligação.

Mas ela teve tempo de me ensinar que uma mãe não é menos mãe quando a filha vai morar com o pai.

Este post é dedicado a todas as mães do tumblr Que raio de mãe é essa?, que me fizeram lembrar desta história.

21 Feb 19:57

O que o Pussy Pride Project me ensinou

by camilalpav

Eu sou insegura – muito.  A insegurança é a característica-mulherzinha por excelência (“benhê, fiquei bem neste vestido?”), mas no meu caso é um pouco pior. Meu poço de insegurança é fundo, muito mais profundo do que o eventual charminho que eu possa fazer com uma roupa que sei ter ficado muito bem em mim. Às vezes cubro o poço com um grosso tapete de arrogância, mas não adianta: quando pulo para dentro dele, levo o tapete junto pelo poço abaixo.

Mas por ora tentarei me desvencilhar da dimensão-poço e me ater apenas à dimensão-mulherzinha da minha insegurança, que caminha junto com sentimentos como o medo de barata e a culpa por não fazer o próprio almoço e pedir comida chinesa. Esses sentimentos-mulherzinha são coisas das quais não me orgulho – assim como provavelmente não me orgulharia se, sendo homem, machinho eu fosse, daqueles que tira fina no trânsito e conta piadinha homofóbica no churrasco da firma.

Se o poço de insegurança é todo meu, a insegurança mais bobinha, aquela que quer saber o que você achou do meu vestido, não tem nada de minha. A dependência da opinião alheia não é um traço individual e idiossincrático que me distingue e particulariza: isto, assim como a ideia de que mulheres devem temer insetos e manter casas impecavelmente lindas e bem-providas, são valores culturais aos quais estamos expostos sem dó nem apelação, e dos quais geralmente nos apropriamos com bem pouca criatividade. E o Pussy Pride Project me ensinou hoje alguma coisa sobre essa dependência da opinião alheia que ainda não sei muito bem o que é. Quem sabe escrevendo eu possa descobrir.

***

A ideia do projeto é que as mulheres com vaginas “fora do padrão” (e se você não sabe o que é uma vagina dentro ou fora do padrão, por favor, não suponha que eu tenha de saber) possam se fotografar e, através do apoio e do incentivo de outras pessoas, se sentir bonitas e orgulhosas das vaginas que têm. Nada diferente, portanto, daqueles projetos de “real beleza”, com a diferença de que a ênfase aqui não é na magreza e sim nos grandes lábios.

Muito bem: o negócio parece que funciona. As mulheres postam as fotos, ganham vários elogios e parabéns e dedinhos pra cima que nem no Feissy. E ficam contentes e satisfeitas e (atenção que eu adoro esta palavra) com muita ALTA-ESTIMA.

Porém.

(Porém!)

Há as que se deprimem.

E elas se deprimem porque outras mulheres – outras vaginas – ganham mais elogios e parabéns e dedinhos em riste do que as vaginas delas.

***

A primeira coisa que aprendi ao ser impactada por esta matéria é:

Ao basear toda a sua identidade na imagem que os outros refletem de você… Não há solução possível. Não há reconhecimento que baste.

Sempre haverá espelhamentos mais brilhantes. Sempre haverá uma vagina mais atraente – mais elogiada e com mais seguidores nas redes sociais – do que a sua.

***

A segunda coisa que aprendi, na verdade não aprendi direito. Apenas empatizei e respirei fundo.

Porque me parece que o problema maior das mulheres que se deprimem quando suas fotos não são extremamente requisitadas não é exatamente que elas se deprimam ao ver que suas fotos não são extremamente requisitadas. O problema é que elas dão um jeito de transformar algo que, a princípio, poderia ser bom para elas – que deveria elevar sua auto-estima e tal e coisa – em uma experiência nociva e perniciosa.

Como não se identificar? Quantas foram as vezes em que passei o dia (a semana, o ano) me esforçando para ser mais parecida com a pessoa que quero ser – apenas para, perto da meia-noite, enfiar o pé na abóbora?

Esta é a face mais mortífera do sintoma. Pois sentimentos de inadequação, qualquer hominho e qualquer mulherzinha tem. Mas para matar o que prometia ser bom – para fazer de um site de auto-ajuda um lugar opressivo e belicoso – é preciso de um poço dentro de si. Posso não entender nada sobre a diversidade de vaginas humanas, mas de poço eu entendo.

Mas poço, ao contrário da primeira coisa em que você provavelmente pensou, não é aquele lugar para onde as pessoas vão quando se acabam nas drogas.

O poço é também um lugar de onde se retira água potável.

18 Feb 02:50

Do querer bem ou Fal e Inês, além das letras

by Luciana Nepomuceno

De tudo que até agora aprendi do português do lado de cá do mar, foi a expressão “o Natal é quando um homem quiser” que mais me cativou. Acho que é pela potência e liberdade que ela indica. «Natal é quando um homem quiser», cantava Paulo de Carvalho, com letra de Ary dos Santos e música de Tordo. Natal é quando um homem quiser, recito eu – e generalizo: a vida toda é quando um homem quiser, ou puder.


Assim é o aniversário da Fal. O aniversário da Fal é quando um homem – no sentido geral, ou seja, eu, no sentido estrito – quiser. Ou puder. Como hoje. Então é hoje que conto histórias, faço brindes e planejo lembrancinhas que nunca sei se irão. Porque no ontem eu não estava.


Eu lia o Drops da Fal desde que eu aprendi o que é internet. Como sou lentinha, quando lá cheguei, ela já era o ícone que é. Então, eu espiava pela fresta da janela. Tinha muita vontade de levantar a mão e dizer: eu também, eu também, mas o decoro não permitia. Achava tudo aquilo meio mágico, como o segredo de Mitras, só para iniciados. Depois, no reader, esbarrava aqui e ali. Curtia quando estávamos na mesma caixa de comentários. Era uma vizinha que não me sabia, mas, ainda assim, ligadas nem que seja pela geografia. Até que, um dia, a Rita disse: Fal. E foi um tempo de skypes e descobertas e risos, muito, muito riso. E, agora, é o tempo do conforto e do amor. Agora já levanto a mão, bandeiras, levanto as notas no desfile de Miss, levanto a saia, levanto a bola.


Ainda é a Fal que admiro. Ainda é a Fal que me encanta. Ainda é a Fal que me ensina. Mas é, principalmente, a Fal que eu amo. Amiga.


 (se quer saber mais de amor e Fal, eu escrevi aqui sobre o livro lindo dela Minúsculos Assassinatos e alguns copos de leite)


Pausa pro café. E voltar pro ontem, ontem, que não foi quando eu quis, mas quando ele mesmo aconteceu. Eu estava passeando/ciceroneando no Chiado e em uma das ruas, os alfarrabistas. Estou comprometida a não trocar comida por livros, então resisti o quanto pude. Mas encontrei um livro da Inês Pedrosa por 3 euros e comprei. Depois sentei por ali pra esperar ciceroneado espiar disco por disco na loja de vinis usados e já comecei a ler o tal livro.


Eu achava que gostava da Inês Pedrosa, mas é claro que eu estava enganada. Eu apenas admirava sua escrita, a forma como ela encadeava personagens e situações, fruía o prazer de ler seus textos. Nada me preparou pra onda de empatia que me acometeu ao começar a ler Crônica Feminina. Textos tão pequenos, algumas construções fraquinhas, até mesmo umas frases bobas, mas que provocaram a vontade de encontrar, abraçar, tomar uma cerveja no boteco e colocar as histórias em dia, como se íntimas fôssemos ou pudéssemos ser. Ter pequenas discussões, concordar em grande parte, marcar um novo encontro. A sensação gostosa de reconhecer não um espelho, mas uma possibilidade de interlocução. Uma crônica, duas, três e lá estava eu, chorando sei lá direito porque, talvez pela Maria do Céu, talvez por saber que não serei amiga da Inês Pedrosa, talvez por ser amiga da Fal e não estar lá, ontem ou agora – pra celebrar isso: o a mais. Que bonito que é.